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Mistérios da Páscoa: Falta de gente pode por em risco as tradições

Lídia Barata - 03/04/2023 - 15:00

Para que rituais ancestrais não se percam, município está a registar em DVD todas as manifestações quaresmais e pascais.

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Concelho conta com 282 manifestações culturais nesta quadra

Desde a quarta-feira de cinzas até ao domingo de Pentecostes, são 282 as manifestações culturais (ritos religiosos e pagãos) que acontecem em todas as freguesias do Concelho de Idanha-a-Nova, assumindo-se como as mais genuínas tradições quaresmais e pascais da Beira Baixa. Mas a contínua diminuição da população, sobretudo dos mais velhos, que guardam o saber fazer nestas matérias, coloca em risco a continuidade de algumas delas, sobretudo as que são protagonizadas pelos homens.

Nesse sentido, o Município de Idanha-a-Nova, além de ter reeditado a Agenda dos Mistérios da Páscoa que tinha lançado em 2020, mas cujos eventos não se realizaram devido à pandemia, e que apresentou quarta-feira, dia 22 de março, em conferência de imprensa, também apresentou o segundo volume de um DVD que resulta de um trabalho de recolha e registo destes rituais, de modo a que esta memória seja preservada e os mais novos saibam como se fazem, podendo assim dar-lhes continuidade, sem as desvirtuar. Estas 282 manifestações populares fazem parte da memória do povo raiano, de todas as suas freguesias, cada uma com a sua singularidade. Há apenas uma alteração a registar, passando a designação deste conjunto de atividades a ser “Páscoa na Idanha”, deixando assim para trás os “Mistérios da Páscoa”. Todos os anos esta agenda se centra numa freguesia e, como as atividades não se realizaram, este ano o foco continua em Penha Garcia.

Apesar de serem tradições seculares, que têm sobrevivido pela oralidade, pois vão passando de geração em geração por essa via, o presidente da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova destaca que este é também um trabalho que tem sido feito com o apoio de todos, porque à população junta-se a autarquia, as misericórdias, as paróquias, associações, ligas de amigos, este “é o acontecimento que envolve toda a comunidade”.

Armindo Jacinto sublinha ainda que “apesar de muitas destas tradições serem protagonizadas por homens, muitas têm sobrevivido graças às mulheres”, reiterando que “tudo isto se prende com a riqueza do povo, desde há centenas de anos, com mães, pais, avós a contribuir para a sua preservação. A oralidade tem sido o principal canal de transmissão destes usos, costumes e tradições, desta cultura milenar”.

Caso do padre Adelino Lourenço, que o autarca recorda estar sempre presente e ser também ele um impulsionador destes rituais populares (tal como diz sentir o apoio de todos os outros párocos e até do bispo), destaca também o papel que António Catana, que coordenada no terreno o trabalho de recolha e registo de todo este património, com Alexandre Gaspar. “A Igreja esteve sempre presente, sempre disposta a colaborar na realização destes usos, costumes e tradições que queremos se perpetuem nos nossos locais, com a força e a fé, no silêncio da noite, nos pontos mais altos das aldeias”, avança, ressalvando que “não se trata de uma teatralização. É algo que é feito movido pela fé e pelo sentimento, que todos sentem e de que são testemunhas, uma fé que tem a ver com a nossa cultura”.

O senão desta questão é a incerteza da sua continuidade, devido à falta de pessoas, sobretudo pessoas que estejam disponíveis para participar e garantir que estes rituais se realizam, porque são os populares os seus protagonistas. “Estamos a chegar a um ponto crítico das tradições, porque não temos gente e sem gente é difícil, porque estas tradições não são de ninguém, são do povo”, sublinha o padre Adelino Lourenço, que também apela a que o mesmo povo não deixe adulterar as tradições. “Nos é que sabemos como são, como é o sábado de Aleluia ou a Senhora do Almortão. A Aleluia não é a festa dos apitos, como muitos lhe chamam, mas cabe a todos não deixar que alterem essa designação, porque a alma do povo deste concelho são as tradições e é a Aleluia de Idanha e não a festa dos apitos”.

A preocupação com a falta de pessoas está patente no apelo enviado ao Reconquista pela organização do Terço Cantado de S. Miguel D´Acha, que pediu “a todos os homens, habitantes e amigos” da aldeia para que compareçam esta quinta e sexta-feira (30 e 31 de março) na tradição noturna “para transmitir aos mais jovens as práticas ancestrais e um valor que deve ser mantido como tesouro imaterial de cultura”.

Vítor Mascarenhas, presidente da União de Freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes, enalteceu o trabalho desenvolvido para preservar e manter este “património extraordinário, que é o melhor que o território tem”. Manifesta também disponibilidade para ajudar a preservar a Procissão dos Homens em Alcafozes, nem que seja com recurso aos idanhenses na diáspora, que nesta época retornam às raízes.

Alexandre Gaspar, que coordena os trabalhos de recolha no terreno com António Catana, reitera que a Procissão dos Homens em Alcafozes, no Ladoeiro, o Terço dos Homens em São Miguel D’Acha, entre outros, mas “o trabalho que estamos a fazer desde 2009, com a Agenda, mas que já vai além do papel, porque com o apoio do Município nos tem permitido registar em vídeo todas estas tradições, da forma como devem ser feitas, com a devoção e a fé de cada uma, ficando o registo para memória futura. É um trabalho que ficará para as gerações vindouras. As pessoas com 20 anos não se interessam, mas aos 40 e tal anos vão aparecendo, por isso é importante que haja muitas de 20 para mais tarde darem continuidade a estas tradições”, assumindo-se, tal como fez Armindo Jacinto, como “um otimista”, acreditando que cada DVD que entregam “é um objeto de fé” que garantirá a continuidade da Páscoa em Idanha.

No âmbito da programação “Páscoa em Idanha” realiza-se, dia 1 de abril, o 14º Encontro de Cantares Quaresmais de Idanha-a-Nova, no Forum Cultural, com entrada gratuita. Promovido pelo Município de Idanha-a-Nova, Cidade Criativa da UNESCO, na área da Música, o evento inicia às 21H30 e atuam o Grupo de Encomendação das Almas de Medelim (Idanha-a-Nova), o Grupo de Encomendação das Almas de Chão Galego (Proença-a-Nova), o Grupo de Cânticos Quaresmais do Campo (Viseu) e o Grupo de Danças e Cantares do Paúl, contando ainda com um concerto com Mariana Martins, Joaquim Martins e Eduardo Lopes.

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