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Alcains: O desobediente que salvou milhares de vidas

José Furtado - 17/06/2022 - 9:38

VÍDEO Neto de Aristides de Sousa Mendes foi à escola falar do avô, que foi ostracizado por um ato de humanidade.

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Há pessoas que merecem ficar na memória por salvarem uma vida mas são raras as que entram na eternidade por salvarem 30 mil. Aristides de Sousa Mendes protagonizou um dos atos mais corajosos do século XX português limitando-se a conceder vistos, sobretudo a judeus, que fugiam da Alemanha nazi e que teriam a morte como destino mais certo. O gesto de humanidade, cometido no consulado na cidade francesa de Bordéus, foi também de desobediência às ordens de Lisboa e Salazar não o perdoou, destituindo-o das funções de diplomata. A história que vem nos livros foi contada aos alunos da Escola José Sanches, em Alcains, pelo neto do protagonista.

“A grande mensagem é que nós devemos seguir sempre a consciência para servir a humanidade”, disse ao Reconquista antes de se encontrar com uma plateia de jovens, que encheu o auditório da escola alcainense. António Moncada Sousa Mendes, que esteve na origem da fundação que guarda a memória do avô, tinha quatro anos quando ele morreu em 1954, num hospital de Lisboa. Mas isso não o impediu de ao longo da vida preservar e promover o sue legado, que passou a livro com o título “Aristides de Sousa Mendes- Memórias de um neto”. Uma das lições que guarda e partilha com quem se encontra é que não é preciso ir longe para estar atento ao próximo, como o avô fez ao influenciar o destino de milhares de deslocados sem necessitar de sair da morada do consulado de Bordéus.

Para António Sousa Mendes, na história recente de Portugal a figura de Aristides só pode ser comparada a Salgueiro Maia, o capitão que contribuiu para a queda da ditadura e que o fez desobedecendo ao regime. E as duas figuras estão, na sua opinião, ligadas, já que o reconhecimento que acabaria por chegar a Aristides só começou a ganhar forma depois do 25 de Abril, “outro ato de rebeldia”.

O encontro com os alunos de Alcains aconteceu numa altura em que a Europa, tal como há 80 anos, está novamente a enfrentar uma guerra mas também o crescimento de movimentos de extrema-direita. António Sousa Mendes acredita que o acesso à informação é uma arma para ajudar as gerações mais recentes a evitar que se cometam os erros do passado. As coisas “melhoraram muito” mas sobre a invasão da Ucrânia “nunca esperei uma coisa destas, vai contra o sentido da história”.

A guerra na Ucrânia “é uma forma de levarmos as pessoas a refletirem sobre o que poderia ter sido feito pela minha geração e que falhou”, disse ao Reconquista o professor João Reis, que promoveu o encontro na escola de Alcains. O convite ao neto de Aristides para falar aos jovens justifica-se porque “a obra fala por si e parece-me que só por isso faria sentido”. Esta visita é apenas um dos exemplos da aprendizagem sobre o que foi a II Guerra Mundial. No segundo e terceiro ciclo os alunos fazem uma abordagem ao tema com o estudo de obras como o Diário de Anne Frank, a adolescente de origem judaica que morreu no campo de concentração de Bergen-Belsen.

Aristides de Sousa Mendes recebeu a Ordem da Liberdade em 1987 e em 1989, 35 anos depois da sua morte, foi reintegrado no serviço diplomático, numa decisão unânime da Assembleia da República. Em outubro do ano passado os seus restos mortais foram transferidos para o Panteão Nacional.

 

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