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O pluralismo religioso em Portugal (2). A longa e iníqua inquisição

Florentino Beirão - 01/04/2021 - 9:44

Como verificámos, até ao séc. XV, vigorou no nosso país um clima de uma convivência pacífica entre cristãos, judeus e mouros, respeitando-se mutuamente. Uma liberdade religiosa apadrinhada pelos primeiros monarcas e pela igreja. Pelo que se sabe, só nas cortes de 1361 as minorias judaicas foram episodicamente sujeitas a perseguição por parte dos comerciantes que competiam nos negócios com os judeus.
Seria só com a conversão forçada dos judeus, expulsos de Espanha para Portugal em 1492 que a perseguição religiosa aos judeus foi colocada na ordem do dia. Nesta data, foram forçados a converter-se ao cristianismo e a batizar-se, sob pena de serem expulsos do nosso país. Desta drástica imposição resultou o nome de cristãos- novos, para classificar os judeus que se converteram. O que acabou por acontecer foi que as supostas conversões, por parte de alguns, não foi totalmente sincera. Se oficialmente se diziam cristãos, em suas casas continuavam a praticar as suas tradições religiosas judaicas. Descobertas estas práticas, a Igreja e o Rei de mãos dadas, decidiram pedir ao Papa a criação do Tribunal do Santo Ofício – a Inquisição - para julgar e condenar os cristãos-novos e outros hereges, acusados de praticarem ou defenderem doutrinas contrárias à religião católica.
Embora na Idade Média, no séc. XII, já existisse Inquisição na Europa nas mãos dos Bispos e dos Dominicanos para condenar a heresia dos cátaros que proliferava na cristandade, em Portugal só mais tarde, a pedido de D. Manuel, mas só concretizada com D. João III em 1536, no pontificado do Papa Paulo III, foi criada a Inquisição para julgar judeus, luteranos, bruxas, feiticeiros, hereges, islamizantes e bígamos, como a que existia em Espanha com Carlos V.
Nesta altura, já este Papa, após o concílio de Trento (1545 -1563), se encontrava a lidar com o problema do protestantismo na Alemanha, iniciado por Martinho Lutero (1483-1546). Esta radical e complexa conjuntura religiosa terá potenciado a criação da Inquisição em Portugal, nomeadamente em Coimbra, Lisboa e Évora, estendendo-se depois ao Brasil, Índia portuguesa (1561), Goa e colónias africanas (1626) no reinado filipino.
Note-se que os estatutos da Inquisição (1552-1570) permitiam aos funcionários e familiares inquisidores uma supremacia, sobre as outras autoridades do Reino. Um Estado dentro do Estado. Quanto ao seu âmbito, estendia-se além das heresias à censura de todos os livros publicados no nosso país - como aconteceu com os Lusíadas, cortado que foi o canto IX - e aos livros que chegavam do estrangeiro. 
Quanto às pessoas acusadas, eram sujeitas a sevícias cruéis, torturas físicas e morais, para confessarem e denunciarem por delação outros supostos hereges. As penas aplicadas podiam ir desde o confisco dos bens, à prisão e morte na fogueira ou com o garrote. Entre 1543-1684, foram condenadas 19.247 pessoas das quais 1.379 foram queimadas vivas na fogueira.
Com a Inquisição um instrumento político-religioso, pretendia-se centralizar o poder real com o apoio da Igreja. Como não havia protestantes em Portugal, a Inquisição virou-se sobretudo para os cristãos – novos, para o combate às heresias e defesa dos dogmas tridentinos.
Foi o que aconteceu no período do domínio filipino em Portugal, entre 1580-1640, onde foi mantida a sua grande atividade relativamente à perseguição aos cristãos - novos. Porém a partir de D. João IV com a Restauração em 1640, estes foram mais poupados à perseguição, chegando a obter o perdão das suas faltas. Nomeadamente com o Padre António Vieira que se colocou a seu lado dando-lhes apoio. 
Mas seria no reinado de D. João V (1707-1750) que o Santo Ofício voltou novamente a atingir o seu apogeu com os majestosos e mortíferos “autos de fé”.
No reinado de D. José, com o Marquês de Pombal a governar o país, foi tirada da alçada da Inquisição a censura literária. E só, em 1775, se aboliu a distinção entre cristãos- novos e cristãos- velhos. Deste modo, foi perdendo uma boa parte da sua vitalidade, também por força dos seus opositores - Luís da Cunha, Ribeiro Sanches, A. Verney - difusores das ideias iluministas em Portugal. Porém, a machadada final na Inquisição que se manteve durante 285 anos no país, só foi dada em 1821, um ano após a Revolução Liberal. Referindo-se a ela escreveu o filósofo Eduardo Lourenço: “A Inquisição é o mais presente, obsessivo e enigmático episódio da nossa vida coletiva”. Uma Feliz Páscoa! 
florentinobeirao@hotmail.com

 

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