Em agosto, o cinema regressa ao Parque da Cidade. Os tempos são outros, não há mais bobines de filmes. Há códigos de ativação para que o digital faça magia. Lá estarei a recordar o passado e viver o presente, honrando todos aqueles que fizeram das sessões de cinema no parque um cartão de visita da cidade...
Não teria mais que três anos quando vi a magia do cinema ao ar livre no Parque da Cidade. Os meus avós viviam dentro daquele espaço emblemático de Castelo Branco. O meu avô, de quem herdei o nome, tinha, digo-o com orgulho, “o jardim mais bonito do país”. O parque estava sempre um brinco e ai de quem, mesmo com a irreverência da juventude, fizesse asneiras. Toda a geração do meu pai se recorda desses tempos. Eu, mais novo, também fui testemunha dessa exigência do parque ser o parque e de não se pisar o que não devia ser pisado. A minha avó tomava conta dos baloiços. Mais tarde, o parque foi perdendo o encanto, degradou-se e teve que se lhe dar uma nova vida.
Mas o cinema ao ar livre continua presente em muitos albicastrenses. De inverno as fitas projetavam-se no Cine Teatro Avenida, até ao incêndio que o destruiu na década de 80. No verão era o parque que acolhia as sessões.
Nós tínhamos vindo de Angola para umas merecidas férias e para conhecermos a família. A guerra na minha terra mãe fez-nos ficar. Até hoje. Os primeiros meses foram vividos dentro do Parque da Cidade. Como tinha o privilégio de poder estar sempre dentro daquele espaço, assistia a tudo o que uma sessão de cinema exigia: o meu tio Francisco, um dos responsáveis pela projeção das fitas, além de ir buscar os filmes à estação de caminhos-de-ferro (vinham em grandes bobines) tinha que os preparar para serem exibidos. Na pequena sala situada no rés-do-chão da torre de projeção, por trás da bancada, rebobinava e fazia as montagens necessárias, para que o documentário preliminar e o intervalo surgissem a horas certas e nada falhasse. Para mim era uma aprendizagem constante e uma satisfação enorme saber que era das mãos do meu tio que o filme chegava às pessoas.
Ao final da tarde era tempo de colocar as cadeiras de realizador no ringue, o local mais nobre onde quem tinha dinheiro se sentava, mas também as de ferro, situadas entre o ringue e o imponente palco, e os bancos entre a bancada e o ringue. Havia depois a bancada, o peão e... as árvores situadas ao lado da torre de projeção, escaladas por alguns espetadores que por falta de orçamento ali assistiam aos filmes. A malta nova saltava o muro, num jogo do rato e do gato com os guardas que procuravam impedir entradas não pagas.
Depois, vinha o momento esperado: a sessão de cinema ao ar livre, num ecrã do tamanho dos sonhos, onde todos conseguiam ler as legendas e regressar a casa com mais histórias para contar. Na altura, as pipocas não entravam nos filmes, mas o bar de serviço tinha gelados dos bons e bebidas frescas para matar o desejo e a sede. Era esta a magia. E nos dias em que não havia cinema, funcionava a esplanada com música gravada.
Em agosto, o cinema regressa ao Parque da Cidade. Os tempos são outros, não há mais bobines de filmes. Há códigos de ativação para que o digital faça magia. Lá estarei a recordar o passado e viver o presente, honrando todos aqueles que fizeram das sessões de cinema no parque um cartão de visita da cidade...
Recordações!