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Opinião: O sacerdote no centro da comunidade

Elicídio Bilé - 08/04/2022 - 15:50

Estas notas levam-me, enquanto leigo ao serviço da Igreja no setor da caridade cristã, a refletir sobre a forma como devemos acarinhar os nossos sacerdotes, a escutá-los, a deixarmo-nos guiar por eles que, pelo seu ministério, dedicam a sua vida a servir o Povo de Deus.

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A vida pessoal e a vida das comunidades, para ser verdadeiramente bem vivida, necessita de uma boa organização, do mesmo modo que o nosso corpo está harmoniosamente organizado, na funcionalidade de todos os seus membros e órgãos.

A organização da sociedade requer cuidado, atenção permanente e lideranças fortes e coerentes. Para a dinamizar, necessita de serviços bem estruturados e de servidores fiéis. Esta necessidade de organização, sendo uma exigência para a sociedade é, também, uma exigência para a Igreja.

As Igrejas Cristãs são um dom de Deus para a humanidade com base na Palavra legada por Jesus. Também as Igrejas necessitam de organização, de serviços (diaconias, ministérios) que sirvam o Povo de Deus. Ministérios como vocação conferida pelo batismo.

No plano teológico, quando pretendemos refletir sobre a vocação ministerial de toda a Igreja e sobre os diversos ministérios, ordenados ou não ordenados, deparamo-nos com duas tendências: uma que tem como único princípio, que todos os ministérios se realizam dentro da comunidade eclesial, participando cada qual à sua maneira da única missão da Igreja; a outra, em sentido contrário, teme que os leigos se tornem incoerentes com a sua natureza secular ao assumirem ministérios diretamente para o serviço da comunidade eclesial. Para a compreensão destas tendências, é necessário analisá-las à luz do ministério da Igreja que se nos revela em ligação com a missão de Jesus.

Várias têm sido as tentativas de conseguir que uma das três dimensões do ministério da Igreja, e o estado que lhe corresponde, clerical, religioso e laical, absorva os restantes, como aconteceu ao longo da história, com o clericalismo, o monaquismo e, mais recentemente, com o laicismo-secularismo. Na realidade, nenhuma das dimensões eclesiais é mais fundamental do que as outras, mas todas convergem na realização da única missão de Jesus Cristo, para o estabelecimento do Reino de Deus.

Hoje pretendo abordar o ministério ordenado, deixando os restantes ministérios não ordenados para outra ocasião, até porque nos aproximamos da celebração da Semana Santa e da vivência do Tríduo Pascal, com a instituição da Eucaristia e do sacerdócio, o simbolismo do “Lava Pés”, a Paixão e Morte de Jesus e a Sua Ressurreição. Também por este motivo faz todo o sentido que reflitamos sobre a nossa peregrinação na terra a caminho da Páscoa, a passagem que nos leva ao encontro de Deus Pai.

O ministério ordenado designa os membros do clero: diáconos; presbíteros; bispos; cardeais e o Papa. A função clerical manifesta-se no ensino da prática religiosa, a partir da Palavra de Deus, na administração dos sacramentos, na orientação espiritual da comunidade e na vivência da Caridade.

São João Maria Vianney disse que “O Sacerdote é o amor do Coração de Jesus”. De facto, só quem se esvazia de si mesmo, numa entrega total a Deus, é capaz de viver intensamente o Sacerdócio, celebrando a Eucaristia, pregando o Evangelho, acolhendo os pecadores, orientando-os e acompanhando-os, como um verdadeiro Pastor.

São João Paulo II, ao descrever o ministério sacerdotal, na “Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-feira santa de 1996”, destacou:

“O sacerdote torna-se, assim, participante de tantas decisões da vida, de sofrimentos e alegrias, de esperanças e desilusões. Em cada situação, a sua função é mostrar Deus ao homem, como o fim último de sua existência pessoal. O sacerdote torna-se aquele a quem as pessoas confiam as coisas mais íntimas e os seus segredos, por vezes tão dolorosos. Torna-se o desejado dos enfermos, dos idosos e dos moribundos (…) O sacerdote, testemunha de Cristo, é mensageiro da vocação suprema do homem à vida eterna em Deus. E enquanto acompanha os irmãos, prepara-se a si mesmo: o exercício do ministério permite-lhe aprofundar a sua própria vocação de dar glória a Deus para tomar parte na Vida Eterna”.

A missão do Presbítero é Dom de Deus, é dádiva de si mesmo e de proximidade com as comunidades. Por isso mesmo, é uma missão responsabilizante para cada um dos sacerdotes. Esta responsabilidade conferida aos padres através do seu ministério, tem sido relembrada, ao longo dos tempos, pelos diversos Papas.

Neste sentido, no dia 17 de fevereiro de 2022, o Papa Francisco, na inauguração do Simpósio Internacional sobre o tema: ‘Para uma Teologia Fundamental do Sacerdócio’, sublinhou a importância da proximidade e alertou contra o “funcionalismo” dos sacerdotes solicitando-lhes uma “proximidade compassiva e terna” com a realidade concreta, sem serem “profissionais do sagrado”.

O Papa falou, também, da crise vocacional que preocupa as comunidades católicas, muitas vezes “funcionais”, mas sem “entusiasmo”. “Onde houver vida, fervor, anseio de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas”, afirmou.

No discurso apresentou aos participantes as “quatro colunas constitutivas da vida sacerdotal”: a proximidade com Deus, o povo, o bispo e os outros padres. “Sem uma relação significativa com o Senhor, o ministério sacerdotal tende a tornar-se estéril”, realçou o Papa Francisco.

“Muitas crises sacerdotais têm origem precisamente numa escassa vida de oração, numa falta de intimidade com o Senhor, numa redução da vida espiritual, a mera prática religiosa”.

O quotidiano do Sacerdote nem sempre é fácil, mas fica sempre a certeza de que assumindo esse chamamento, cumpre-se a vontade do Senhor, que um dia disse: “Vem e segue-me!”. O Presbítero é ordenado para o serviço do Povo de Deus, devendo seguir o exemplo de Jesus Cristo, que lavou os pés dos discípulos.

Estas notas levam-me, enquanto leigo ao serviço da Igreja no setor da caridade cristã, a refletir sobre a forma como devemos acarinhar os nossos sacerdotes, a escutá-los, a deixarmo-nos guiar por eles que, pelo seu ministério, dedicam a sua vida a servir o Povo de Deus. Quantas vezes ouvimos murmurações sobre o estilo e sobre o conteúdo da mensagem que eles nos dirigem. Quantas vezes subestimamos o seu labor a favor da comunidade que servem. Quantas vezes deixamos que vivam isolados da vida comum e do nosso convívio. Quantas vezes exigimos os seus serviços de uma forma despersonalizada, quando eles são o serviço da Igreja na coerência da sua missão.

No simpósio que refiro, de fevereiro último, o Papa Francisco alerta para a forma como muitos presbíteros “são consumidos pelo drama da solidão, de se sentirem sozinhos, de sentirem que são dignos de paciência e consideração; antes, parece que do outro vem o julgamento, não o bem, nem a benignidade”.

Por outro lado, olhando para a comunicação social, vemos a forma como é tratada a problemática da pedofilia no seio da Igreja, que a própria Igreja condena e quer ver esclarecidos os diversos casos. Não deixa de ser surpreendente a forma obstinada como este assunto é tratado, quando poucas ou nenhumas notícias são publicadas sobre a entrega dos sacerdotes na oferta das suas vidas a favor de crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis, para além das comunidades que lhes foram entregues para lhes levarem o amor de Deus e a construção do Seu Reino.

Sobre esta questão transcrevo um pequeno excerto do testemunho do padre salesiano P. Martín Lasart sdb:

“…ultimamente surgem notícias na generalidade dos órgãos de comunicação social sobre a pedofilia no seio da Igreja católica. É motivo de grande dor o mal profundo de quem deve ser sinal do amor de Deus, e são uma adaga na vida de inocentes. Não existem palavres que possam justificar estes atos, porque a Igreja está ao lado dos fracos, dos mais indefesos. Contudo não deixa de ser curioso o desinteresse dessa mesma comunicação social para com a vida e a missão de tantos milhares de padres que dedicam a sua vida em favor de milhões de crianças, jovens e desfavorecidos da sociedade, nos quatro cantos do mundo. Não é novidade, nem motivo de notícia que, mais de 60.000 dos 400.000 padres deixaram as suas terras e as suas famílias para servir os seus irmãos em leprosários, hospitais, campos de refugiados, orfanatos, em escolas e centros de formação ou, sobretudo, em paróquias e missões para transmitirem às pessoas motivações para viver e amar… insistir de forma obsessiva e persecutória sobre um assunto, perdendo de vista o panorama geral, cria caricaturas verdadeiramente ofensivas do sacerdócio católico…”.

Não sei se consegui transmitir a mensagem que me parece pertinente, vindo de um leigo que se sente parte ativa desta Igreja Católica, que sabe como cada um dos seus membros, com o seu carisma próprio e com o chamamento de Jesus, que ninguém é dispensável. Penso, contudo, que a mensagem ajudará à reflexão dos que são firmes na fé, dos que andam mais distraídos, e dos que estão mais afastados e negam as realidades do espírito.

Termino com uma frase do Papa Francisco:

“Vendo a tentação de nos fecharmos em discursos e discussões intermináveis acerca da teologia do sacerdócio ou sobre as teorias do que deveria ser, o Senhor olha com ternura e compaixão para os sacerdotes, oferecendo-lhes as coordenadas a partir das quais hão de reconhecer e manter vivo o ardor pela missão: proximidade com Deus, com o bispo, com os irmãos presbíteros e com o povo que lhes foi confiado. Uma proximidade com o estilo de Deus, que Se aproxima com compaixão e ternura”.

*Cáritas Diocesana de Portalegre-Castelo Branco

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