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Pais em tempos de crises: As desventuras de Calimero

Mário Freire - 11/05/2017 - 14:21

Calimero foi uma série de desenhos animados que passou na RTP nos anos 70 em que a principal personagem era um pintainho preto, com uma parte da casca do ovo ainda na cabeça e oriundo de uma família de galináceos amarelos. Ele era simpático mas ingénuo. Passava a vida a lamentar-se, a sentir-se infeliz e injustiçado. Ficou conhecido, principalmente, por proferir frases do tipo “é uma injustiça”, “abusam de mim porque sou pequenino”. Ora, esta personagem que se vai lamentando da sua má sorte ao longo do dia, que constantemente expressa sentimentos de infelicidade e de injustiça perante o que lhe acontece, deu origem, entre psicólogos e psicanalistas, ao aparecimento de uma expressão que tenta reunir todas aquelas atitudes: a síndrome de Calimero. 
Com este mesmo título saiu há pouco, em França, do psicanalista Saverio Tomasella (Les Éditions Albin Michele, 2017) um livro que trata dos Calimero que encontramos, frequentemente, à nossa volta. Os seus gemidos constantes parecem-nos exagerados ou sem fundamento, apetecendo-nos mais fugir deles do que consolá-los, embora façam apelo à nossa compaixão. Segundo aquele psicanalista, as queixas dos Calimero escondem feridas que vêm de longe e que têm a ver com experiências infantis que os fizeram sofrer, tais como atitudes repressivas dos pais que não tinham razão de existir, favoritismos dos progenitores em relação a um irmão ou irmã, professores e colegas que se riam deles, etc.. Enfim, viver injustiças em idades precoces, falhas de protecção, ausências de consolo quando disso se precisava, podem, segundo Tomasella (apoiando-se quer na experiência própria junto dos seus doentes, quer na experiência dos seus colegas) explicar muitos dos queixumes dos Calimero. Com efeito, aquelas situações vividas pelas crianças podem dar lugar a um sentimento de impotência que poderá enraizar-se ao longo da vida adulta.
Os Calimero são, pois, pessoas infelizes, com dificuldade em enfrentar as situações difíceis da vida e que não dão felicidade a quem está junto deles. Se, durante a sua infância, tivessem sido valorizados nas suas pequenas vitórias, não sendo comparados com outros que os desfavorecessem mas, antes, confrontados consigo próprios naquilo que tinham já progredido e naquilo que ainda tinham que progredir, incentivados nas dificuldades mas compreendidos e consolados nos insucessos talvez, hoje, como adultos, fossem pessoas mais felizes e melhor apetrechados para enfrentar as vicissitudes da vida.
freiremr98@gmail.com

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