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Para quem lá mora, ela nunca foi fronteira: Gardunha 2021

Paula Custódio Reis - 25/03/2021 - 9:35

Em março de 2015 mais de uma centena de voluntários subiu a Gardunha para plantar árvores, num ponto onde simbolicamente se cruzam três freguesias e dois concelhos.
Foi bonito de ver o trabalho de cidadãos anónimos e autarcas locais que, sob a batuta de um dos pensadores da Gardunha, o Hugo Landeiro Domingues, no âmbito de uma ação da Associação Descobrindo, levou à plantação de árvores autóctones ali, num dos sítios fustigados regularmente pelos incêndios que, de quando em vez, varrem a Gardunha.
Sou natural de uma zona que não é uma fronteira natural, mas que é uma fronteira administrativa e visual. Corta-a a meio a divisão concelhia e a passagem do norte montanhoso para a paisagem de campo, que se estende até à Raia e ao início da paisagem alentejana.
Se alcançarem um dos seus icónicos povoados não estudados, e por muitos desconhecidos, vêem-se terras de Espanha e quase se veem areias de Portugal. O Castelo Velho atrai pelo olhar e pela vista e pelas muitas histórias que dali se imaginam.
Para quem lá mora, ela nunca foi fronteira, apenas passagem, sustento e defesa. Com o passar dos anos, passou a ser modelo fotográfico apetecido, território a explorar, solo a plantar para dele extrair os produtos mais desejados nos mercados do tradicional e das denominações de origem.
Basta ter um pouco de visão para alcançar inúmeras potencialidades. 
Mas também basta um pouco de sensibilidade para saber que este território tem de ser pensado no seu todo e administrado de forma equilibrada e participada.
O incêndio de 2017 começou na Torre, Freguesia de Louriçal do Campo, galgou todas as freguesias com território nesta Serra e mostrou a fragilidade dos sistemas de proteção da natureza e do combate a incêndios que temos. 
Quatro anos passados, a lei obriga a limpezas, a União Europeia acena com euros para candidaturas, continuam a vender-nos a ideia de que havemos todos de nos governar com os produtos autênticos da região.
Na prática, os que limpam e cuidam a propriedade, continuam à espera de que passe mais um verão sem que as dezenas de pequenos incêndios que deflagram de maio a outubro reduzam a cinza o que é seu.
No fundo, o lema parece ser o princípio da defesa do meu quintal, quer estejamos a falar de atores públicos, quer estejamos a falar de privados. E esse tem sido o princípio que ao longo das últimas décadas tem sido praticado, sem que tenha sido possível a gestão eficiente da causa pública que é a proteção do meio ambiente.
O imediato nunca é bom conselheiro, o efémero não produz bons frutos. Já pensaram envolver as populações da Gardunha? Perguntar-lhes como querem contribuir para a defesa do seu próprio território? Dar-lhes o poder de ser vigilantes e beneficiários das estratégias que melhor se ali apliquem? Fazê-los parte integrante das candidaturas e não meros espectadores?
O professor Arlindo de Carvalho, traduziu em verso o sentir destas gentes trabalhadoras e apegadas ao seu torrão «coração da Serra não ama a cidade, só na sua terra de sente à vontade». Não devíamos ser capazes de catapultar este sentir? Entender a visão de quem a vive todos os dias?
Tenho para mim que, muitas vezes, mudar a perspetiva é a melhor forma de olhar novamente para um assunto. Haja coragem para tanto.

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