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Pluralismo religioso em Portugal (1): Enriquecedora convivência pacífica

Florentino Beirão - 18/03/2021 - 9:34

Assistimos hoje no nosso país ao proliferar de numerosas religiões e seitas, espalhadas por todo o território, sobretudo nas grandes cidades e vilas. Umas mais contemporâneas do que outras. Os seus espaços de culto, mais ou menos visíveis, salpicam algumas ruas e avenidas, ostentando as suas apelativas designações. Um notável pluralismo que nem sempre fez parte da nossa atribulada história religiosa. Mas vamos por partes.
Iniciemos esta longa caminhada pelos alvores da formação da nossa nacionalidade na Idade- Média, em plena Reconquista, nos tempos longínquos dos nossos primeiros monarcas, a partir do séc. XII.
Como se sabe, Portugal, como Nação independente, nasceu à sombra da Igreja de Roma, apadrinhado pelo Papa Alexandre III em 1143, com o Rei D. Afonso Henriques, nosso primeiro Rei, conquistador de vastas terras aos mouros, com o precioso apoio militar dos Cruzados.
Nesses tempos de cristandade, a ligação diplomática ao Papado era o grande trunfo a exibir, para quem queria ascender ou conservar o poder político, organizado à sombra da protetora e poderosa Igreja de Roma. Uma perfeita união, entre a coroa e o altar, a espada e a cruz.
Após a Reconquista Cristã do nosso território aos adoradores de Alá que, nessa altura, governavam o território que habitamos, desde o séc. VIII ao XII, cerca de longos quatro séculos, os primeiros Reis de Portugal decidiram organizar as terras que iam conquistando, através de uma nova administração, baseada em territórios paroquiais, administrados por bispos e clero. Desta organização também faziam parte as diversas Ordens Religiosas e Militares que contribuíram, com o seu saber e proteção, desenvolver e defender o território que tinha sido, penosamente conquistado aos mouros, ao longo de muitas décadas.
As mesquitas, onde os muçulmanos praticavam o seu culto ao “misericordioso Alá”, lentamente, foram sendo deitadas por terra pelos cristãos, tentando apagar a sua memória religiosa. No seu espaço, foram sendo levantadas catedrais e igrejas, no meio dos agregados populacionais. Em locais estratégicos, foram também construídos poderosos e inacessíveis castelos defensivos, para se fazer face a possíveis invasões inimigas, sempre à espreita. 
Tenha-se em conta que, após a prolongada Reconquista, muitos muçulmanos que viviam no território foram-se convertendo ao cristianismo e integrando-se lentamente, na nova sociedade cristã, embora confinados em mourarias, onde só podiam habitar.
Neste longo período da consolidação do território português, contou-se também com o apoio das populações que praticavam outros credos, sobretudo judeus que viviam isolados em judiarias, onde, por vezes, às escondidas, iam praticando os seus cultos ancestrais.
Note-se que a vinda dos judeus para a Península Ibérica é muito antiga, remontando a tempos anteriores à conquista do território pelos romanos. Por aqui se foram instalando de tal modo que, quando D. Afonso Henriques conquistou Lisboa aos mouros, já se encontravam judiarias na cidade, onde viviam os descendentes de Abraão, embora sujeitos a impostos. Eram ainda obrigados a reparar pontes, calçadas e muros. Para com a Igreja, tinham também de pagar uma dízima. A sua presença no reino interessava ao rei porque desempenhavam lugares de relevo na vida nacional, nomeadamente administradores dos capitais do monarca e da própria Igreja. Note-se que os primeiros reis de Portugal não tiveram pejo em entregar também aos judeus, agentes fiscais, a cobrança dos impostos. O pluralismo religioso, como se constata, era então aceite pelas populações, convivendo lado a lado, respeitando-se nos seus diversos credos.
Deste modo foi possível, chegados ao início do Renascimento, no séc. XV, com as nossas fronteiras já bem definidas e consolidadas, arrancar para as conquistas no norte de África, começando por Ceuta em 1415, para levar a fé cristã aos infiéis e enriquecer o Reino. Uma aventura que mobilizou uma vasta parte da população, sobretudo a burguesia, a corte real e o clero regular, onde os franciscanos se destacaram. Gesta que foi cantada em verso, por Camões nos Lusíadas. Deste modo, foi possível “dar novos mundos ao mundo” e conhecer outras terras, outros povos e culturas.
O pluralismo religioso, na sua diversidade, foi assim fator importante para se poder levar por diante o grande projeto nacional, conhecido pelo “Período dos Descobrimentos Marítimos”.
Os saberes e os volumosos capitais dos judeus, bem como os conhecimentos matemáticos e náuticos dos mouros, com o determinante apoio real, certamente, muito contribuíram para que pudéssemos, numa gesta heroica, escrever páginas memoráveis na nossa história pátria.

florentinobeirao@hotmail.com

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