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S. MIguel D´Acha: Um retrato em troca de uma história

José Furtado - 06/08/2021 - 9:49

VÍDEO Manu e Fábio são brasileiros e apaixonaram-se pelas pessoas e as histórias de São Miguel D´Acha. O projeto vai dar uma exposição de retratos em pano.

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Projeto está agora na Casa da Cultura de São Miguel D´Acha

Há quem olhe para um quadro e tente perceber nele uma história que não conta. Mas a arte de Manu Romeiro fala das pessoas e com as pessoas. A ideia desta artista brasileira é simples- em troca de um retrato quer ouvir o que têm para lhe contar. Chama-se Retrato Falado e encontrou em São Miguel D´Acha o terreno fértil. Mas esta história começa longe no tempo e na distância. Em 2013 Manu viajou até à Bolívia com o caderno onde desenhava e a curiosidade foi tanta que as pessoas “formaram uma fila enorme para serem retratadas, só que eu só estava com o meu caderno”. Chegou ao final da viagem com o bloco depenado. No ano seguinte, já com folhas soltas em vez do caderno, fez a viagem de quatro dias de barco pelo rio Amazonas, a partir de Belém do Pará.

“Foi a primeira vez que desenhei as pessoas em troca de histórias mas ainda de uma maneira muito informal”, conta. Essa experiência foi o clique para a ideia de o fazer como uma intervenção em espaço público. Entretanto, Manu atravessou o Atlântico para fazer o mestrado de pintura na Faculdade de Belas-Artes em Lisboa e um dia recebeu um convite de uma amiga, cujos tios vivem em São Miguel D´Acha, para uma passagem de ano na aldeia. Foi o início de uma paixão pelo lugar e pelas pessoas.

Quando a pandemia se abateu, Manu e Fábio Supérbi tiveram de devolver o apartamento em Lisboa e perante a insegurança no trabalho decidiram mudar-se para a aldeia. Começaram por fazer uma residência artística durante quatro meses, numa casa de campo mais afastada, até que encontraram um lugar para viver no centro da aldeia, onde estão desde dezembro.

Fábio Supérbi, que é contador de histórias e marionetista, diz que encontrou um universo de histórias a olhar para o quintal de casa, como alguém disse um dia. Os dois ficaram com vontade de desenvolver o Retrato Falado de uma maneira mais profunda e às terças e quintas-feiras, entre o meio da tarde e o cair da noite, recebem as pessoas na Casa da Cultura.

Sofia Gonçalves ajudou a quebrar o gelo entre os forasteiros e a gente desta aldeia com pouco mais de 500 almas. Um dia encontrou Manu a fotografar as roseiras à porta da sua casa e começaram a conversar. A presidente da Associação de Defesa do Património Cultural de São Miguel D´Acha interessou-se pela ideia e foi fazendo a ponte com a junta e a própria população, colocando Manu e Fábio no caminho de boas histórias. “Há sempre aqueles típicos da aldeia que nós conhecemos”, refere. Fábio nunca mais se vai esquecer da situação que lhe foi relatada logo na primeira incursão em São Miguel D´Acha, quando uma senhora lhe contou a história mirabolante de um gato que ficou bêbado.

“Depois da primeira história nunca mais me separei de S. Miguel e estávamos a dois anos de nos mudarmos para cá”.

Desde então foi colecionando histórias do outro mundo e outras mais profundas, guardadas na memória de gerações e que, acredita, podem ajudar a contar a história da própria comunidade. Ao serem retratadas ao mesmo tempo que falam, as pessoas baixam a guarda e isso nota-se na recolha. Mas este é também um projeto que combate a solidão, depois de meses de confinamento e medo da pandemia.

Manu, que pinta em tecido cru com tinta-da-china preta, quer juntar o maior número de retratos e fazer uma exposição com um grande painel, cujos retalhos serão cosidos com a ajuda das costureiras da aldeia. E é por isso que ao contrário do que aconteceu na Bolívia “é a primeira vez que fico com os retratos por um tempo”.

 

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