Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

O ataque à casa da democracia

Florentino Beirão - 21/01/2021 - 9:40

O assalto ao Capitólio, o coração da democracia da América, no passado “Dia dos Reis”, embora pareça um ato impensável, para quem tenha andado atento às abundantes mentiras e ameaças do presidente Donald Trump, não foi mais do que o resultado esperado de não querer aceitar o resultado das últimas eleições presidenciais americanas.
Com tal atitude antidemocrática, as leis mais básicas do seu regime democrático foram negadas e colocadas de parte. Segundo as mesmas, quem ganha as eleições deve assumir o poder, conferido pelo voto dos eleitores, de um modo responsável. Quem as perde, passa as servir também a democracia, mas numa oposição construtiva, de alternativa ao poder. Esta é a essência do regime democrático.
O que aconteceu na América, no momento em que o Congresso votava a confirmação dos resultados eleitorais violou as leis mais elementares de uma democracia consolidada, como é a americana, onde o Estado de direito tem vigorado. Deste modo, se opõe ao poder absoluto de qualquer tirano que se queira manter no poder, à viva força. Foi o que aconteceu com o autocrata Trump, derrotado por Biden. Ao longo dos anos do seu mandato, Trump tudo fez para que os seus numerosos e fanáticos seguidores, não aceitassem as eleições presidenciais, caso fosse derrotado. De tudo se serviu para procurar atingir o seu objetivo. Desde atacar a verdade e a imprensa, as redes sociais, as instituições democráticas, controlar o Supremo Tribunal e apoucar a Câmara dos Representantes. Toda esta estratégia autoritária foi servida por um discurso populista, onde a verdade e a mentira se confundiam sem qualquer pudor.
Não podendo contar com as Forças Armadas, Trump procurou na rua, onde se encontravam alguns dos seus fiéis e fanatizados apoiantes, e em alguns membros do Partido Republicano, para se manter no poder, através da violência, não aceitando o resultado das eleições livres e legalmente aprovadas.
Estes recentes acontecimentos deveriam fazer-nos refletir sobre os perigos que hoje correm as democracias, com o rápido e imparável avanço de movimentos nacionalistas, racistas, autocratas e xenófobos, aglutinados à volta de “líderes fortes”, demagogos, sem escrúpulos e populistas, à maneira de Trump. O que aconteceu na América do Norte pode também surgir na Europa e em Portugal, quando aparecem líderes a adotar os mesmos princípios e métodos políticos, demagógicos e populistas. Como se sabe, segundo a revista do Expresso (8.01.21), hoje está a espalhar-se pelo mundo a chamada teoria da conspiração “QAnon”, que se define como “uma mistura de paranoia política e profecia messiânica”, a qual tem alimentado muitos fanáticos, seguidores de Trump. Como nos adverte Pacheco Pereira, “Trumpinhos e trumpões vão continuar por cá. Sofreram uma derrota, mas a deslocação à direita e o populismo são a sua única esperança” (Público, 09.01.21).
Há um ditado popular que, a propósito do que aconteceu na América, seria bom que tivéssemos em conta: ”Quando vires as barbas do teu vizinho a arder, põe as tuas de molho”.
Como sabemos, as mesmas causas produzem o mesmo efeito. Deste modo, os líderes dos partidos que copiam e reproduzem os mesmos tiques políticos de Trump, seja Bolsonaro, Organ, Salvini, Marine Le Pen, Ventura e seguidores saudosistas do salazarismo, acabarão por reproduzir o mesmo resultado político. Seduzir os eleitores com mensagens baseadas em mentiras, na demagogia, nas emoções, no populismo e no racismo, os produtos políticos tóxicos do “Chega” do famigerado André Ventura, agora candidato à presidência da República.
Os regimes democratas, também em crise, não podem esconder debaixo da areia as causas que dão origem a estes perigosos movimentos que pretendem minar e derrotar os regimes democráticos do mundo livre. As múltiplas causas já diagnosticadas que originam e fomentam tais movimentos e partidos políticos são já mais que conhecidas: o elevado desemprego, sobretudo das camadas mais jovens da população, a pobreza em que vegetam tantas crianças e cidadãos, o desfasamento entre eleitos e seus eleitores, a elevada corrupção, o desvio de numerosos capitais para “offshores”, uma Justiça lenta e cara, as miseráveis pensões, o ostracismo dos mais velhos…
Atacar e indo resolvendo estes e outros problemas com que nos debatemos há décadas, será a única maneira de podermos retirar espaço aos partidos populistas que tentam destruir a nossa sempre frágil democracia que tanto custou a conquistar. Como cidadãos livres e responsáveis, vamos todos votar, apesar das limitações, impostas por esta pandemia.
florentinobeirao@hotmail.com   

 

COMENTÁRIOS