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Leitores: A propósito da barragem do Alvito

António Paulo - 02/05/2024 - 9:46

Consultando, na biblioteca municipal, informação sobre a inauguração do bairro da Horta d’Alva (27/04/1949), na edição do Reconquista de 1 de Maio desse ano, fez ontem 75 anos, dei com uma curiosa informação sobre barragens.

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Consultando, na biblioteca municipal, informação sobre a inauguração do bairro da Horta d’Alva (27/04/1949), na edição do Reconquista de 1 de Maio desse ano, fez ontem 75 anos, dei com uma curiosa informação sobre barragens, conforme documenta a imagem; no essencial, a Pracana estava em construção e a do Alvito em projecto, com um paredão de 70 metros de altura. Posteriormente, terão surgido outras propostas de localização e da altura, de modo a não submergir aldeias a montante (Casal da Ribeira, Casalinho, Cerejeira, por exemplo).
Embora aqui me reporte à notícia de jornal, a talhe de foice, aqui invoco o testemunho do Sr. Manuel Barateiro (Foz do Cobrão) que me deu preciosa informação que agradeço, espantando-me dizer que, nos seus 81 anos, era ainda sua mãe solteira e já se falava da barragem! Há quanto tempo, portanto, remontando assim o que teria sido essa hipótese a data muito anterior à notícia do jornal de há 75 anos.
Nada feito, sem prejuízo de promessas feitas em períodos de campanha eleitoral e, acaso, do gasto inútil de dinheiro público em estudos, projectos, prospeções, sem que tenha havido obra à vista ou, ao menos, o seu começo (Foz Côa começou com as ensecadeiras e, depois, parou com as gravuras rupestres).

I- Na minha modesta opinião, não se construiu, nem jamais se irá construir, por uma série de razões:

1- Falta de vontade política, quer nos governos do Estado Novo (Salazar e Marcello Caetano), quer nos do pós-25 de Abril, cujos 50 anos se comemoraram na semana passada.

1.1- Falta de vontade política, que não de disponibilidade financeira porquanto, neste transcurso temporal, foi possível concretizar um conjunto de notáveis empreendimentos hidro-eléctricos e de regadio, nomeadamente a entrada em serviço de Castelo do Bode (1951), Cabril (54), os aproveitamentos do Cávado/ Rabagão, nos rios Lima, Douro, Mondego (Aguieira, 81) e no Guadiana, com o Alqueva (encerramento das comportas em 2002).

1.2- Como também, no domínio de diversas obras públicas, construção ou melhoramentos na rede viária e ferroviária, portos e aeroportos, pontes, incluindo novas no Tejo e no Douro e o que para aí se aventa, o TGV, eu sei lá, mas dinheiro houve e há, ao que parece, com ou sem deficit da balança e, desde que alinhámos na comunidade/união europeia, com a torneira dos fundos a jorrar, como abaixo se verá.

2- Razões de natureza ecológica/ambiental, pelo impacto que qualquer intervenção humana provoca na natureza envolvente. Aqui aduzo a opinião do amigo José garantindo, com alguma ligeireza, que a barragem se não faria porque nas portas do Almourão nidificava a melra-peixeira (cinclus cinclus). Decerto que as vozes contestatárias se estribam em razões sérias de preservação da diversidade biológica (fauna e flora), desde logo, dos habitats do grifo, cegonha preta, bufo real, águia de Bonelli, lontra, etc.

3- A concorrência de outras energias alternativas, a aposta no vento (turbinas eólicas) e no sol (painéis fotovoltaicos), sustentada em argumentos ambientais mas, também, nos fortes interesses económico- financeiros das empresas do ramo, espanholas incluídas (o preço do liberalismo e da globalização).

4- Por fim, há quem entenda não se justificarem novos investimentos em barragens, dado que a água da chuva é pouca e cada vez será menor, por força das alterações climáticas verificadas no médio prazo.
II - Aqui assumo uma posição de visceral pessimismo que, talvez, muito poucos, família restrita e dois amigos, irmãos do coração, compreenderão.
Pesa-me que a Providência me não tenha iluminado com a fé que move montanhas (dando de barato que, para o efeito, “os apressados prefiram a dinamite”) e que, por esta desilusão que me corre no sangue, entenda que, o que tenha que correr mal pois correrá pior, respeitando contudo os optimistas que, no seu juvenil entusiasmo, me queiram contestar.
Voltando ao tema, num contexto mais alargado da problemática em causa e, se calhar, a despropósito, ousaria pôr à vossa consideração:

1- Por um qualquer fatalismo histórico-geográfico que nos condenou a um destino a que não podemos fugir, cavou-se um fosso entre o litoral e o interior, que vem de longe; pior, havendo dinheiro que o há, mais se alargam as assimetrias, cabendo a fatia de leão para uns e as migalhas, se sobrarem, para o interior (Beiras); ele são institutos, programas, projectos, fundos, fundações, PRR, milhões que se não traduzem em sério investimento produtivo nas várias vertentes da economia e na fixação das gentes, sendo “pública voz e fama” que algum desses cabedais se esvaem em corrupção e procedimentos ilícitos (empresas fictícias, facturação falsa e favorecimentos indevidos, por ex.).
A título de exemplo da magnitude dos fundos europeus, refere Nuno Palma em As causas do atraso português que, segundo dados do Banco de Portugal, desde a adesão até 2023, já recebemos 133 mil milhões de euros, embora tenhamos que contribuir com cerca de um terço, mais 22 m milhões de PRR até 2026 e, até 2030, estão previstos mais 57 m M; para um país pequeno e periférico no contexto europeu e, talvez, por isso mesmo, se receba com esta generosidade falhando, segundo o autor, o objectivo primordial, o da convergência com a Europa mais desenvolvida. 

2- A progressiva desertificação geo-climática, também o é do ponto de vista demográfico; longe vão os tempos em que as nossas aldeias eram aldeias cheias, de pessoas e de vida. Perdido esse paradigma, hoje, com o envelhecimento da população residente (o peso percentual de pensionistas por velhice no contexto nacional é maior em Castelo Branco, Guarda e Portalegre, na ordem de um quinto ou mais, CM, 23/04/20024); por isso, hoje, precisamos mais de lares de idosos e da ampliação dos cemitérios que de creches e de escolas “primárias”; as pessoas, legitimamente, procuram fora melhores condições de vida (emprego, salário, habitação, saúde, educação) e, assim sendo, vão embora, cá dentro ou lá para fora. 

2.1- Progresso e gente, reciprocamente causa e efeito, enrodilham-se, pela negativa, num círculo vicioso irreversível; faltam-nos os agentes e o motor dinâmico da mudança.

3- O ideal do igualitarismo entre regiões é uma utopia ou, como diria George Orwell, “todos somos iguais, mas uns são mais iguais que os outros.”
Penso que à excepção do Alqueva, o grande investimento público já aplicado e os fundos europeus que virão, serviram e hão-de contemplar, sobretudo, o litoral; por ex., o TGV inicialmente previsto na linha Poceirão – Caia, pelo interior de Espanha, a caminho de França; pois, agora, será do Porto para Lisboa e do Porto para Vigo, será como digo? Parece que há quem pense e queira reverter esta configuração; e porque não passar pelas Beiras? De novo e sempre, nos assombra a factura pesada da interioridade?!

4- Voltando à barragem do Alvito, em que os obstáculos e resistências acima referidos parecem superar os benefícios e as potencialidades (produção de energia, regadio (?) a jusante, prática de desportos náuticos, reserva de água para abastecimento urbano, hotelaria e turismo em geral), numa acepção vagamente filosófica, trata-se de um futurível; isto é, que, no futuro, se concretizaria, se um conjunto de factores e condições se conjugassem mas que, bem sabemos, jamais se concretizarão.

5- Conclusão: embora partidário da sua construção não vejo que, algum dia, venha a sê-lo. A ideia, com largas dezenas de anos, foi condenada às profundezas dos infernos e, portanto, a barragem prometida, por onde correria “um rio de leite e mel,” não passa de uma miragem. Mais facilmente descerei, pela vereda escalavrada, até ao poço onde, reza a lenda e o povo acredita, jaz, no fundo, um carro de bois cheio de oiro reluzente e, aí, meio demente, exorcizando fantasmas, acabará este drama de não ver a barragem feita. Finalmente…em paz!

6 -A quem se deu à maçada de ler este arrazoado se, porventura, a vir construída, do alto do paredão execre a memória do descrente que, caindo em errada reflexão, tomou a liberdade de vos maçar com uns quantos disparates.

 

COMENTÁRIOS

António Lourunho.
Na semana passada
Excelente dissertação do Dr António Paulo na lucidez que o caracteriza. A barragem do Alvito é um " espantalho" agitado,periodicamente, sempre que a alguém convém. Concordo com a previsão do articulista e NUNCA, mas nunca, haverá uma barragem naquele lugar.