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Imigrantes escravizados

Florentino Beirão - 27/05/2021 - 9:30

Foi preciso chegarmos à grave crise pandémica do covid-19, para conhecer algumas das múltiplas ruinas sociais que existiam em diversos setores do trabalho, do nosso país. Nada menos do que os imundos barracões e casas de habitação superlotadas de imigrantes que, ao longo dos últimos anos, têm chegado para se ocuparem sobretudo, de trabalhos penosos e sazonais na agricultura praticada em estufas alentejanas. Esta situação não é uma realidade nova pois há já muito tempo que era conhecida pelo governo e autarquias. Só que, em vez de terem sido tomadas medidas adequadas para resolver as situações desumanas em que viviam os trabalhadores imigrantes, foi-se assobiando para o lado. Por razões que hoje conhecemos melhor, graças às denúncias feitas pelos meios de comunicação social, sabe-se agora que têm sido profundamente desumanas as condições de trabalho e de habitação que têm sido proporcionadas a estes trabalhadores, um pouco por todo o país. Trazidos por redes mafiosas, sobretudo dos territórios subdesenvolvidos de África e da Ásia, estes trabalhadores têm sido sujeitos aos mais diversos modos de exploração, hoje consideradas a escravatura moderna, a encher os bolsos de patrões desonestos e de intermediários sem escrúpulos. O resultado deste prolongado calvário tem sido deveras desastroso para milhares de pessoas, entregues à sua sorte, sem que alguém clamasse pela sua defesa, incluindo alguns partidos políticos e sindicatos. Mas não se pense que escravatura de hoje se encontra localizado apenas nas terras alentejanas, para onde os antigos ceifeiros das Beiras, os “ratinhos” se deslocavam no verão por longos meses, para se ocuparem da faina da ceifa do trigo. Hoje, além dos casos mais badalados e escandalosos das estufas da região de Odemira, ainda podemos encontrar situações muito semelhantes no estuário do Tejo, na apanha da ameijoa em Alcochete, na colheita da fruta em Torres Vedras e em Santarém. Não olvidando ainda situações desumanas na construção civil em Lisboa e nas zonas vinhateiras do Douro. Deste modo, um pouco por todo o país, podemos encontrar situações sociais clamorosas, um faroeste sem rei nem roque. Se há exceções, infelizmente, são poucas, como a do concelho do Fundão que tem criado condições dignas nesta altura do ano na Cova da Beira, onde labutam imigrantes na apanha da cereja.
Esperamos que não tenha sido em vão que o Presidente da República Lopes Marcelo, ainda recentemente, tenha chamado a atenção dos responsáveis para esta problemática social, ao pedir que seja dado aos nossos imigrantes “o estatuto que merecem”. Acrescentou ainda que “ a nossa sociedade tem de resolver estas situações” que nos envergonham. E dando pistas sobre o que é urgente fazer, para se alterar estas situações, concluiu que ” é preciso ver se estes estrangeiros estão legalizados e em que condições estão a trabalhar no país”.
Se tivermos em conta que vamos continuar a necessitar de muita mão- de- obra estrangeira, para os diversos setores da nossa economia que menos atraem os portugueses, imperioso se torna que nos organizemos, para os podermos acolher em devidas condições. Os acontecimentos dramáticos a que assistimos ao vivo na última semana, relativos à fuga de 7.000 imigrantes de Marrocos e de outros países africanos, vindos de Ceuta, para o sul de Espanha, acompanhados de 1.500 menores, em condições terríveis e escandalosas, para a vida de um ser humano, deve ser um aviso para que nos preparemos para que o nosso país também possa vir a ser procurado por populações africanas que vivem perto de nós e que, de um momento para o outro, nos batem à porta. 
Sabendo nós que a nossa população está a diminuir, devido ao elevado número de jovens que emigram, às famílias que têm cada vez menos filhos e ainda ao facto da população estar a ficar mais velha para trabalhar, é fácil concluir que, nos próximos anos, podemos vir a ter necessidade de muita mão- de- obra imigrante, especializada ou não. Por isso, importa implementar políticas justas e adequadas para podermos fazer frente a estes novos desafios, tentando assim evitar as redes mafiosas. Se hoje, a maior parte das migrações chegam sobretudo de países asiáticos subdesenvolvidos, não tardará que, mais tarde ou mais cedo, venham também de zonas subsarianas, envolvidas em conflitos étnicos ou religiosos. Urge pois que encararemos o fenómeno migratório não como uma maldição, mas como um enriquecimento e uma mais-valia cultural e económica.

florentinobeirao@hotmail.com

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