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A saúde que temos: Uma ida às urgências

António Alves Fernandes - 25/02/2016 - 10:53

O Homem, em atividades rurais numa pequena propriedade que herdou, praticava aquela máxima - mente sã em corpo são.

 

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O Homem, em atividades rurais numa pequena propriedade que herdou, praticava aquela máxima - mente sã em corpo são.
O Homem apanhou há dias uma alergia que não havia forma de o largar. Desconhecidas as causas, mudou de roupa e de hábitos, alterou a gastronomia e até reduziu o labor agrícola, mas aquela maldita infeção continuava a incomodá-lo.
O Homem, teimoso, esperou que algo de milagroso modificasse esta situação.
O Homem, na quarta noite, perante a gravidade dos factos, tomou a decisão de seguir para as urgências do Hospital mais próximo.
Na viagem, a natureza não ajudava. Já não lhe chegavam as mãos para esfregar cabeça, pescoço, costas, braços e pernas, como ainda se confrontava, pela noite fora, com um frio de rachar os ossos e um nevoeiro serrado e amedrontador, pior só o Gigante Adamastor. Demorou o dobro do tempo previsto, mas lá chegou à sala de receção dos doentes.
O Homem fez o registo de consulta e recebeu um documento que quase parecia uma Bíblia. Ao passar um primeiro olhar, ficou atónito com uma lista de exames que fizera há tempos. Segundo as informações, era necessário pagá-los, embora nunca solicitado para o efeito. O Homem que é de boas contas, não teve dúvidas em arrumar a questão. 
O Homem seguiu para a triagem, colocaram-lhe uma braçadeira verde (a lembrar um capitão de equipa, e por sinal da cor do seu clube). Na sala de espera encontrou duas pessoas conhecidas, falando das famílias e das doenças, às quatro da manhã. Ali não dava para se falar de outros assuntos mais interessantes.
Sem demoras, o Homem foi chamado pelo médico de serviço às urgências. Na língua de Cervantes, com uma pintadinha de Camões, o doutor disparou: “no son horas de vir ao hospital, los médicos precisan dormir”. 
O Homem, cheio de comichão, accionou logo a memória histórica da padeira de Aljubarrota e ripostou em “Portignol”: “los médicos dormir despues de quitar las pulgas a los enfermos”. 
O doutor, visivelmente irritado, perguntou “Qué quer del hospital?”
O Homem, já mais sereno, disse-lhe que tinha uma comichão “bien acordada” em todo o corpo, “todos precisamos dormir: yo, el doctor y las pulgas.” 
- Levante la ropa superior. Qué siente?
- El fuego del infierno, doctor, que Nuestro Señor me ajude.
- Eres religioso? 
- No es hora de espiritualidades. 
O Homem foi examinado e observado por uma instrumento que parecia uma pilha e, com obediência canina, aguardou num corredor a chegada de uma enfermeira. Como esta tardava, o Homem dirigiu-se à enfermaria, onde foi assistido com humanismo e atenção.
O Homem voltou de novo ao gabinete do médico, que lhe entregou uma receita, dando-lhe ordem imediata de saída. 
O Homem, já no exterior do Hospital, lembrou-se que tinha de voltar atrás, para a enfermeira lhe tirar do braço o cateter.
Na estrada de regresso a casa, o nevoeiro dissipara-se e muitos feirantes ultrapassavam-no. O Homem olhou para o céu e deu graças por ter encontrado um médico acordado. Que a alergia se transforme em alegria, pediu a Deus, e meteu o pé no acelerador. 

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