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Abusos na Igreja: "Ninguém deve assobiar para o lado"

Lídia Barata - 30/10/2021 - 9:00

A revelação de 300 mil vítimas de abusos sexuais em França reacendeu a discussão. A Diocese tem desde janeiro de 2020 uma comissão dedicada ao tema.

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O Papa Francisco exortou as dioceses a criar estas comissões

A Diocese de Portalegre-Castelo Branco anunciou em janeiro de 2020 a criação de uma Comissão Diocesana para a Prevenção e Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis (CDPPMPV), em resposta às indicações dadas pelo Papa Francisco para o combate aos abusos sexuais, o que à data foi amplamente noticiado.

O tema não é por isso atual, mas a revelação da existência de 300 mil vítimas de abusos sexuais num estudo encomendado e pago pela Igreja francesa, reacendeu a discussão. “Todos ouvimos falar do relatório da igreja francesa, daqueles números absolutamente escabrosos, e que não estão completos, porque só falam da Igreja enquanto padres e bispos. Mas a Igreja somos todos os batizados, por isso os números poderiam ser ainda mais escabrosos, deixando a todos profundamente envergonhados”, referiu o padre Nuno Folgado, que é secretário desta Comissão, aproveitando a cerimónia de abertura do Sínodo e apresentação do programa Pastoral em curso, para esclarecer os que afirmam que, ao contrário da francesa, a Igreja portuguesa não está a fazer nada sobre o assunto. “É das mais recentes comissões da Diocese e é formada maioritariamente por leigos. Reúne sempre que é preciso, criou os seus estatutos, os seus regulamentos, tem e-mail e tem telefone”, mas em alternativa, as alegadas vítimas podem fazer chegar a denuncia através do seu pároco, ou alguém em que confie. A CPPMPV está disponível para receber qualquer denúncia (efetiva ou suspeita) e não deixar ninguém sem resposta.

Quanto ao caso francês, “pergunto-me a mim: o que é que ali aconteceu, em termos de agressores, em termos de vítimas? Para onde estavam a olhar todos os outros? Para haver 300 mil agressões ao longo de 70 anos, houve muita gente a assobiar para o lado e a fingir que não via o que estava a ver”. É por isso que “se não somos nem queremos ser agressores, se não somos e não queremos ser vítimas, também não podemos querer fazer parte do grupo que assobia para o lado”.

padre Nuno Folgado reitera que a Igreja tem de fazer “dos movimentos, dos encontros, lugares seguros para todos, a começar pelas crianças e outras pessoas vulneráveis”. Para já, “não há denúncias, o que espero signifique que não há casos. Mas se os houver, a denúncia nunca será um erro. Denunciar mais tarde é pior do que denunciar mais cedo, porque não faz sentido que alguém sofra 30 anos sozinho vítima de uma agressão. Não fizemos tudo com certeza, não fomos de porta em porta a perguntar a cada pessoa se foi agredida, mas dizer que não estamos a fazer nada é injusto”.

Recorde-se que a Comissão Diocesana foi criada em resposta ao desafio lançado pela Carta Apostólica “Motu Proprio Vos estis lux mundi”, onde o Papa Francisco regista as disposições gerais a aplicar em caso de denúncias de abusos sexuais de menores ou de pessoas vulneráveis. D. Antonino Dias, bispo diocesano, refere no decreto de nomeação que a Comissão integra “pessoas experientes nas áreas da psiquiatria, psicologia, justiça civil e canónica”. A estrutura facilita que se possam “denunciar possíveis abusos praticados por clérigos ou leigos em instituições e âmbitos diocesanos”, sem “prejuízo do cumprimento das leis civis, particularmente das relativas às eventuais obrigações de denúncia às autoridades civis competentes”. A nomeação é por um período de três anos, renováveis. Estão diretamente acessíveis através do endereço eletrónico disponibilizado na página da Diocese: menores.pessoas.vulneraveis@portalegre-castelobranco.pt.

Atualmente é presidida pelo coronel Alfredo João de Oliveira Gonçalves, de Castelo Branco, e secretariada pelo padre Nuno Folgado. Integra ainda João Paulo Albuquerque, de Portalegre, a médica Isabel Duque, de Castelo Branco, Ana Maria Serra Fernandes, de Abrantes, e Carlos Teixeira, de Castelo Branco.

A Comissão pode analisar casos concretos ou até mesmo suspeitas. Sempre que se tratar de um crime público o mesmo será encaminhado para as instâncias judiciais competentes. Em caso de episódios que não consubstanciem um crime, mas seja censurável, merece uma atenção especial e poderá resultar numa advertência por parte das instâncias competentes dentro da Igreja.

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