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Leitores: A verdade da mentira

Luís Santos - 10/08/2023 - 9:38

Há um ano, no jornal Reconquista, escrevia o artigo “Coração Negro”, onde abordava o maior incêndio de 2022, o desastre devastador ocorrido no Parque Natural da Serra da Estrela, onde arderam 22 mil hectares.

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Há um ano, no jornal Reconquista, escrevia o artigo “Coração Negro”, onde abordava o maior incêndio de 2022, o desastre devastador ocorrido no Parque Natural da Serra da Estrela, onde arderam 22 mil hectares. No pós-incêndio, realizou-se uma autêntica peregrinação de ministros ao local, com promessas de milhões de euros, e que a Serra iria ficar muito melhor do que no período pré-incêndio. Passou um ano e não se passou nada, rigorosamente nada. 
Vão perguntar a cada uma das pessoas que sofreu na pele a agrura do fogo, onde receberam os apoios para a reconstrução de casas e pavilhões agrícolas e onde andam os apoios para a compra de rações agrícolas para os animais? Vi tanta excursão governamental para prometer e prometer apoio, ajuda e dinheiro e nada vejo, para, de forma anónima, garantir que os prometidos apoios chegaram a quem precisa.
Passou um ano, um longo ano para quem precisa e nada tem. 
No dia 4 de agosto de 2023, um ano depois, no Distrito de Castelo Branco, volto a escrever com a dor de abordar o maior incêndio de 2023 até ao momento. Quase 7 mil hectares ardidos, num incêndio iniciado em Santo André das Tojeiras e que se prolongou até ao concelho de Proença-a-Nova, onde levou tudo o que podia à frente. 
Não sou, de todo, um especialista na arte de combater incêndios, não percebo nada na forma como o fogo se propaga, mas sei como liderar equipas, sei como se planeiam ações. E aquilo que assisti, in loco, durante estes dois dias de terror, vividos no concelho de Proença-a-Nova, deixam-me com muitas dúvidas sobre a forma como estamos a gerir o combate a um incêndio.
Aquilo que irei relatar não é a visão do Presidente da Distrital do PSD, mas sim, o que um cidadão beirão sente, quando está impotente perante a incompetência de organização de uma operação. E faço já a minha declaração de intenções. Tenho um enorme respeito pelos homens e mulheres que envergam a farda de bombeiros. É a coragem deles, a valentia que evitou males maiores. É a “vida por vida” que, ano após ano, mantém vivas a esperança de milhares de portugueses em sobreviver a este terrorismo que teima em invadir o meu Distrito, o nosso Distrito. 
Ao longo destes dois dias, assisti um desastre completo no teatro de operações, com colunas inteiras perdidas ou posicionadas em locais errados, a entrarem por estradas sem saída, a perguntar pelos locais para onde deveriam ir, sem ter noção do território onde estavam. Horas e horas estacionadas a aguardar instruções. Não ouvi dizer, vi com os meus olhos, esta desorganização. Se existiram perto de 1200 homens destacados para combater este incêndio, ninguém os sentiu no terreno. Se havia 16 meios aéreos destacados para este combate, ninguém os viu. Aliás, a entrada deles em ação, ocorreu muito perto das 11 horas de sábado, quando o fogo já tinha 5 horas de pleno dia. Não adianta ter o maior dispositivo de bombeiros do país, estacionado perto do incêndio, quando não sabemos o que fazer com ele.
Aliás, começo a questionar severamente, os números de operacionais e meios aéreos colocados nos meios informacionais da ANPC. Ter 1200 operacionais estacionados no concelho de Proença-a-Nova, significa um sexto da população deste concelho. Acredito que, em termos lógicos, soubéssemos onde estariam ou onde andariam. A verdade é que os testemunhos das pessoas são claros, conforme provado pelas imagens televisivas, onde eram elas próprias a ter de apagar o incêndio que se aproximava das casas. 
Os reacendimentos aconteciam, e nenhum bombeiro, GNR ou Força Especial da Proteção Civil estava próxima para o apagar. Durante a noite, eram os populares acordados a guardar os seus pertences, a primeira força de intervenção para assumir esta luta. Tanta entidade criada para tomar decisões e tão pouca gente disponível para intervir.
A burocracia matou a coragem dos bombeiros e das forças de segurança. Quem dá ordens, sentado num gabinete de ar condicionado, num dos múltiplos camiões que passou à porta das casas, não percebeu a responsabilidade que tinha. A de proteger pessoas.
Nesta semana, só se falou do maior evento realizado em Portugal, a Jornada Mundial da Juventude. Durante estes dias, as pessoas de Proença-a-Nova só se preocuparam com a maior jornada das suas vidas, a sua sobrevivência. 
Há um ano, o meu coração estava negro. Hoje, não é só o meu coração que está negro, é também a minha cara e as minhas mãos. Hoje, os meus pulmões respiram o cheiro da terra queimada.

Presidente da Distrital do PSD Castelo Branco 

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