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Abusos na Igreja: Comissão identificou 11 casos no distrito de Castelo Branco

José Furtado - 16/02/2023 - 22:26

Casos conhecidos no distrito estão circunscritos aos três maiores concelhos. Comissão diocesana recebeu duas queixas.

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Relatório foi apresentado em Lisboa. Foto Ecclesia

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa validou 11 casos de abusos ocorridos ao longo das últimas décadas na área do distrito de Castelo Branco, que compreende parte das dioceses de Portalegre-Castelo Branco e da Guarda. Esta é uma das conclusões do relatório final desta comissão apresentado no dia 13 em Lisboa e que teve como base 512 testemunhos de vítimas diretas, apontando no entanto para a existência de um número estimado de 4815 vítimas de abusos sexuais entre 1950 e 2022.

As situações de abuso “ocorreram em todos os distritos do território nacional” indica o relatório consultado pelo Reconquista mas também neste caso encontra maior eco nas regiões mais povoadas, como Lisboa, Porto ou Braga. Mesmo assim, o número de abusos ocorridos no distrito de Castelo Branco é superior aos detetados em Portalegre (2), Beja (5) ou Vila Real (9) e semelhante aos ocorridos na Guarda (12). Olhando mais de perto, percebe-se que dos 11 casos de abuso validados no distrito de Castelo Branco estes estão circunscritos aos concelhos de Castelo Branco, Fundão e Covilhã, com quatro casos identificados em Castelo Branco, outros quatro no Fundão e três na Covilhã. Mas só nos concelhos de Castelo Branco e do Fundão é que foram molestadas crianças à guarda de instituições.

A comissão fez também a quantificação dos casos nas dioceses. Em Portalegre-Castelo Branco, como na Guarda, todos os abusos que chegaram à comissão tiveram como praticantes elementos do clero, com cinco abusadores identificados em Portalegre-Castelo Branco e 13 na Guarda. Os números mostram também que as vítimas confiaram mais na comissão independente do que nas dioceses, que constituíram comissões próprias. A equipa coordenada por Pedro Strecht identificou cinco abusadores na área de Portalegre-Castelo Branco e a diocese um, tratando-se de um leigo que por sua vez não tinha sido identificado pela comissão independente. Na Guarda foram identificados pela comissão 13 abusadores e pela diocese quatro. A mesma tendência acontece com as vítimas. A comissão independente sinalizou cinco em Portalegre-Castelo Branco e 13 na Guarda e as dioceses uma e seis respetivamente. O grupo que estudou os arquivos das dioceses não encontrou dados sobre vítimas e abusadores, algo comum a mais 12 dioceses.

No relatório de quase 500 páginas são poucos os dados que permitem fazer uma leitura mais nítida dos abusos sexuais ao nível distrital, nomeadamente a época em que aconteceram. Mas não deixa de destapar uma realidade que no distrito se limitava ao caso da condenação em 2013 do antigo vice-reitor do Seminário do Fundão, que atingiu a Diocese da Guarda.

No distrito de Castelo Branco residem atualmente sete vítimas identificadas por esta comissão, das quais três na Covilhã, duas em Castelo Branco e duas no Fundão. Não há registo de vítimas a residir no distrito de Portalegre. É caso único no país, embora uma pequena parte das vítimas não tenha manifestado o distrito onde residia atualmente.

O trabalho da comissão liderada por Pedro Strecht não se limitou à receção das queixas. Passou também pela pesquisa nos arquivos diocesanos e indicou no relatório que em Portalegre-Castelo Branco não existem processos judiciais referenciados. Com Angra são as únicas dioceses em que isso acontece. E também entrevistou os bispos para perceber a realidade das dioceses, sabendo-se que os encontros com D. Antonino Dias e D. Manuel Felício ocorreram em março de 2022.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, que esteve na origem da comissão independente, considera que o relatório “exprime uma dura e trágica realidade” que no seu entender é “uma ferida aberta que nos dói e nos envergonha”. Em nome da Igreja, D. José Ornelas pede perdão “a todas as vítimas: às que deram corajosamente o seu testemunho, calado durante tantos anos, e às que ainda convivem com a sua dor no íntimo do coração, sem a partilharem com ninguém”. O estudo “apresenta-nos um número muito maior do que aquele que soubemos apurar até hoje. Pedimos desculpa por não termos sabido criar formas eficazes de escuta e de escrutínio interno, e por nem sempre termos gerido as situações de forma firme e guiada pela proteção prioritária dos menores”. O tema será debatido a 3 de março numa assembleia extraordinária do órgão que reúne os bispos portugueses. O relatório está disponível clicando nesta ligação 

DIOCESE A divulgação deste relatório marca o fim do trabalho da comissão independente mas não o da Comissão para a Prevenção e Proteção de Pessoas Vulneráveis da Diocese de Portalegre-Castelo Branco, que o bispo D. Antonino Dias criou em 2020 seguindo as orientações do Papa Francisco. Em agosto do ano passado, quando o trabalho desta comissão fez a primeira página do Reconquista, não havia registo de queixas. Carlos Teixeira, que assumiu entretanto a coordenação, revelou que depois disso foram apresentadas ainda em 2022 duas denúncias. Uma delas foi excluída “porque não havia qualquer fundamento para essa situação avançar”. A outra foi reencaminhada para o Ministério Público, tendo ocorrido na zona de Abrantes, onde em dezembro foi notícia a detenção de um voluntário de um centro social ligado à Igreja, por suspeita de abuso de um jovem incapaz.

Sobre o relatório da comissão independente “nós já estávamos à espera que os resultados fossem devastadores, depois do relatório intermédio feito pela comissão independente”, reconheceu. Mas além do choque provocado pelos testemunhos, retira também a esperança de que a prevenção vai ser levada mais a sério, tanto pela Igreja como pela comunidade.

“As pessoas hoje não toleram que estas situações voltem a acontecer e tudo isso é muito importante para as crianças”, disse ao Reconquista. Quanto à comissão diocesana, ela vai continuar a trabalhar e a receber denuncias.

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