Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Debita Nostra XL

Luís Costa - 30/06/2016 - 7:00

“A procura de trabalho produtivo, com o aumento dos fundos que lhe são destinados, está todos os dias a crescer. Os trabalhadores encontram facilmente emprego, mas os donos do capital têm dificuldade em encontrar trabalhadores. A sua competição eleva os salários e afunda os lucros da acumulação. Mas, quando os lucros do capital caem assim, o preço que se pode pagar por ele, isto é, a taxa de juro, cai necessariamente também.” (tradução livre de Adam Smith,  An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, 1776, 1, pp. 336).

Pode parecer que a invocação de um clássico, como Adam Smith, se faz sempre por idênticas razões, mas não é difícil descortinar, no uso corrente, uma diversidade delas. Tendo idealizado um modelo (ideal-tipo) de sociedade (mercado), como era moda entre os autores de então, foi a partir daí que terçou argumentos, o que não acontece com os seus seguidores.

É certo que há quem o faça com base na crença: a de que, volvido um quarto de milénio, o mercado busca ainda a perfeição, pelo que não foi possível alcançar o paraíso na Terra. Creio, porém, que a grande maioria o fará por mais pragmática razão: a de que não houve até hoje melhor meio de acrescentar “a riqueza das nações”, apesar dos tradicionais problemas em distribuí-la.

Mas, mesmo invocando estas razões, não falta também quem use do que eufemisticamente chamaria de sentido de oportunidade. É que não há como a crença e o pragmatismo para que se sacralize o profano, invulnerabilize o contingente e se lhe acate todos os desmandos, a começar pelos mais convenientes, mesmo que à custa de um discreto sacrifício da coerência.

No mercado, a abundância de fundos geraria o aumento do investimento, que geraria a procura de mão-de-obra, que geraria a subida dos salários, que geraria a descida dos juros, que geraria a perda de capital?! Condicione-se o mercado! E por que não com um mercado paralelo, autónomo da economia, como o do sistema financeiro e o seu instrumento mais poderoso: a dívida.

Assim, o dinheiro fácil geraria a emergência da dívida, que multiplicaria os seus encargos, que condicionaria a procura de mão-de-obra, que asseguraria a contenção dos salários, que preservaria a sustentabilidade dos juros, que permitiria o crescimento do capital!

Em mercado aberto, dispensando os atavismos do Estado?! Não, porque o protecionismo garante agora a conversão da divida privada em dívida soberana. Com o aval dos contribuintes, ou melhor, dos que continuam a sê-lo, por lhes estar vedada “liberdade” do mercado.

E a dívida pública que os clássicos exorcizavam, nem tanto por ser irrefreável, quanto por poder mesmo não ser paga, tornou-se na mais apetecida, para um insaciável mercado financeiro, porque garantida pelo melhor “pagador de promessas”. Com uma vantagem: ter sobre si todo o peso do anátema que o liberalismo económico lhe colocou nos ombros.

Porém, que democracia é esta, quando assim assumimos que nos mercados, como noutras conhecidas quintas, somos todos iguais, mas há uns mais iguais que outros?!

COMENTÁRIOS