Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Leitores: O Espírito da Terra. Construir Comunidade (s)

Hélder Henriques - 13/07/2023 - 9:50

A construção de uma comunidade e a valorização de um território dependem, em grande medida, da capacidade dos múltiplos intervenientes conseguirem escutar, dialogar, colocar “em crise” o meio que os rodeia...

Partilhar:

A construção de uma comunidade e a valorização de um território dependem, em grande medida, da capacidade dos múltiplos intervenientes conseguirem escutar, dialogar, colocar “em crise” o meio que os rodeia, trabalhar, desinteressadamente, com a finalidade exclusiva de contribuir para a qualidade de vida e bem-estar das populações e potenciar as vantagens de se viver, estudar ou trabalhar num determinado território. 
Fazer parte de uma comunidade implica uma multiplicidade de sentidos e dimensões que permitem a sua construção e edificação. Na verdade, “fazer parte” implica a ativação dos elementos fundamentais da cidadania, entre outros, a responsabilidade, o civismo, os direitos e os deveres, a participação, a opinião, em suma, a defesa da coisa pública. Não há comunidade sem liberdade de ação, de pensamento, de discussão, de negação ou de afirmação, das ideias de cada um de nós que contribuem para a melhoria da vida de todos. 
A ideia de comunidade resulta da partilha de grandes ideais que permitem que nos identifiquemos com práticas quotidianas. Por exemplo, as tradições locais constituem um bem cultural valioso na definição da comunidade onde vivemos. Não apenas porque é um momento festivo, se for o caso, mas porque representam a projeção de uma herança no presente e para o futuro. Veja-se o caso das danças da Lousa que muito orgulham a comunidade de que fazem parte, as festividades do S. João Batista, em Monforte da Beira, ou as festas em honra de S. Sebastião, com os conhecidos Cascoréis, na freguesia da Lardosa, entre muitos outros exemplos que aqui poderíamos dar.
Ainda a este propósito recordo a minha infância associada a vários momentos com forte sentido de construção identitária e comunitária nomeadamente, entre outras, a festa de verão da minha aldeia no concelho de Penamacor (Pedrógão de S. Pedro). Uma festa que acontecia anualmente, onde o que importava constituir, desde o ano anterior, era uma comissão de festas de gente da terra e de outros que não morando ali faziam parte e ajudavam na construção da festividade contribuindo para manutenção das festividades locais. Estas iniciativas onde se envolviam, e continuam a envolver, muitas pessoas da terra implicam um compromisso, a palavra de honra, em muitos momentos, em nome da comunidade que representam. Honra seja feita a todos aqueles e aquelas que continuam a trabalhar nesta ou em todas as outras festividades populares da nossa região.
Cada vez mais, devemos recuperar o sentido de dever para com as nossas comunidades e populações. Devemos questionar, de um modo mais ou menos visível, o que podemos oferecer às comunidades onde participamos? As ofertas não têm de ser públicas, nem materiais. Basta uma palavra ao vizinho do lado, resolver eventuais divergências que possam existir na família ou com os amigos, convergir nos grandes desígnios apontados para esta ou aquela comunidade. 
Sabemos todos, que vivemos numa época de fácil descarte. Quando deixamos de necessitar desta ou daquela coisa, o mais fácil é deitar fora ao invés de se pensar uma reutilização. Por exemplo, no âmbito da candidatura de Castelo Branco à Rede de Cidades Criativas da Unesco, um dos parceiros – a APPACDM – através da sua líder – a Drª Maria de Lourdes Pombo, conseguiu reutilizar um objeto que aparentemente não tinha utilidade, que eram os casulos do bicho da seda. Em parceria com uma Designer foi dada uma nova utilização no âmbito da joalharia contemporânea àqueles objetos que, aparentemente, pouca utilidade teriam, além da sua função natural. Este exemplo, deve ser colocado e aplicado também no que às relações humanas diz respeito. A tolerância é necessária na construção das comunidades.
Tudo isto para dizer que é preciso renovar permanentemente o sentido de comunidade. O individualismo, os egos, a crença em “super homens” que tudo fazem, ou tudo sabem, já só existem nos contos da editora norte-americana Marvel. Uma comunidade constrói-se em diálogo, de modo participado e inclusivo, sem medo de errar, porque o erro também dela faz parte. 
É por isso que, nos dias que correm, assistimos a uma necessidade de se encontrarem âncoras identitárias que permitam reavivar as raízes do Ser Humano numa aparente tensão constante entre o que fomos, o que somos e o que gostaríamos ou poderemos vir a ser. Esta tensão é produtora de uma comunidade que se mostra viva, critica, vigilante, como, aliás, deve ser. É nestes contextos que se inserem, a meu ver, as festividades populares que vamos assistindo um pouco por toda a Beira Baixa.
A Beira Baixa, enquanto território de transições, revela um importante património material e imaterial que deve ser preservado. A título de exemplo, relembremos o conjunto diversificado de manifestações populares religiosas e seculares, entre o Sagrado e o Profano, que por esta altura do ano se realizam em todo o território. 
Nesta época o território volta a receber os seus filhos que partiram para outros territórios em busca de melhores oportunidades. O seu regresso, de alguma forma, representa a manutenção e o respeito por uma herança que não querem esquecer porque também eles são produtores da comunidade. Este é o tempo onde se recordam os cheiros da infância, os caminhos percorridos, as aventuras de outros tempos, enfim, é um tempo de respeitar um património sentimental vivo dentro de cada beirão. 
Esta “necessidade” de regressar não se prende apenas com uma tradicional viagem de verão. É muito mais do que isso. É um turbilhão de emoções que envolve todos os que voltam e aqueles que teimosamente resistem e continuam a viver nestas nossas terras. Desejo a toda a comunidade da Beira Baixa um período de verão que permita reavivar as memórias e assim continuar a construir histórias que alimentam o espírito das nossas comunidades.

 

COMENTÁRIOS