Cara Daniela,
Soube que te convidaram para cantar e dançar no meu Concelho, do qual nunca terás ouvido falar e dificilmente ficarás a conhecer minimamente bem durante a tua curta estadia. Aproveito, assim, para te dar a conhecer alguns dados importantes que te podem ajudar a melhor compreender aquela terra.
Eu sou de um dos concelhos mais pobres e envelhecidos do País (não sou eu quem o diz, são as estatísticas disponíveis). Um concelho com mais de 560 quilómetros quadrados de área geográfica e uma população residente que não chega às 5 mil almas.
No meu Concelho, quando chega o Verão e os filhos e netos emigrados regressam, falha frequentemente a recolha de resíduos urbanos, levando a que, por vezes, o lixo se acumule no meio das povoações como num cenário mais usual em países do chamado terceiro mundo.
É um Concelho cujo tribunal esteve mais de três anos sem julgamentos por falta de condições do respetivo edifício. Possui um passado histórico e um acervo cultural riquíssimos, destacando o Madeiro como um dos traços mais distintivos, mas que está há quase 10 anos para ser classificado como património imaterial.
Uma das barragens existentes neste Concelho é crucial para o aproveitamento hidroagrícola de uma vasta região, contudo o regadio não chega a mais de metade do seu território.
Neste Concelho, se por azar tivermos um problema de saúde a meio da noite, temos de percorrer mais de 40 quilómetros para chegar a uma urgência.
Um Concelho cuja maior exportação são as pessoas por não lhes serem proporcionadas as oportunidades de fixação adequadas, quer em matéria de emprego quer em questões como o acesso à saúde e à educação, entre outras.
É um Concelho com mais notoriedade mediática por notícias de alegadas irregularidades na gestão autárquica do que pelo enorme potencial turístico de que dispõe. Onde não se identifica uma estratégia para a fixação de pessoas, e há imóveis do município em estado de avançada degradação ou mesmo ruína.
Nada tenho contra a tua vinda. Aliás, espero mesmo voltes mais vezes no papel de turista ou, melhor ainda, de investidora, até porque este é um Concelho de pessoas trabalhadoras e esforçadas.
São boas gentes que merecem melhores recompensas que concertos musicais ascendentes a várias dezenas de milhares de euros, mais bem empregues a colmatar algumas das carências evidenciadas. Não está em causa o direito à cultura, que creio ser fundamental para toda a gente, especialmente para quem vive no Interior tantas vezes menosprezado e desconsiderado. O que está em causa são mesmo as prioridades de investimento invertidas que privilegiam o “pão e circo” (ainda que com pouco pão) em detrimento do desenvolvimento e crescimento sustentados.
Não me interpretes mal, o problema não és tu. O problema são as condições decorrentes de décadas sem visão, sem estratégia e sem prioridades de desenvolvimento bem definidas.
Pode ser que um dia isto melhore e o meu Concelho possa despreocupadamente cantar com toda a força “a cor dessa cidade sou eu, o canto dessa cidade é meu”. Contudo, infelizmente, ainda não é chegado esse momento.
Com estima,
Antigo Vereador
na CM Penamacor
Rua de S. Miguel, 3
6000-181 Castelo Branco
reconquista@reconquista.pt
272 321 357 | 272 247 473*
