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Leitores: A liberdade de opinião é doentia quando a memória é, maldosamente, seletiva

José Dias Pires - 31/08/2023 - 17:48

Sou, com muito orgulho e honra, amigo muito próximo de António Salvado e, desde há muitos anos seu leitor atento, assim como de muitos outros poetas e autores portugueses seus contemporâneos.

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Senhor Diretor do Semanário Reconquista:

O cabeçalho deste meu texto acontece a propósito do arrazoado publicado na vossa edição de 24 de agosto, com o título Castelo Branco: Como? Biblioteca Municipal?.

Sou, com muito orgulho e honra, amigo muito próximo de António Salvado e, desde há muitos anos seu leitor atento, assim como de muitos outros poetas e autores portugueses seus contemporâneos, e admiradores, desde os tempos da tertúlia do Café Gelo onde, entre outros, fez amizade com Mário Cesariny, José Sebag, José Carlos González, Ernesto Sampaio, António José Forte, Virgílio Martinho, Manuel de Lima, Manuel de Castro, José Manuel Simões e Herberto Helder, organizando, com este último, a revista "Folhas de Poesia" (provavelmente também todos eles "poetas menores" na opinião do colunista e que, nessa "menoridade", sempre entenderam António Salvado como um dos seus e o recriminavam por ter abandonado Lisboa). Quanto a mim (direi que a muitos de nós, menos ao colunista), ainda bem que o fez (regressar a Castelo Branco) porque me (nos) permitiu ter connosco um dos poetas maiores da segunda metade do século XX (liberdade de opinião minha, confesso, mas muito bem acompanhada na comunidade poética ibero-americana).

Contudo, importa dizer que não fiz nem faço parte de nenhuma "falange de apoiantes", designação com a qual o redator do texto que me motiva pretende amesquinhar, sem conseguir, os que, com convicção, muita leitura e algum estudo (permita a imodéstia) conhecem, admiram e promovem a obra de António Salvado e lhe estão agradecidos pela projeção que ela conseguiu muito para além da sua fronteira natural e porque, segundo o escrito do reputado crítico literário brasileiro Magela Colares:

«Há, em toda obra de António Salvado, uma trajetória marcada por notável equilíbrio aliado à qualidade que, desde as suas primeiras experiências literárias, lhe asseguram um destacado lugar dentro da sua geração e no próprio cenário das letras portuguesas. (…) Poeta de uma obra já densa em qualidade e quantidade, António Salvado, nascido em 1936, estreou-se na poesia em 1955, época que em Portugal se afirmavam grandes poetas que os historiadores costumam rotular de Geração de 1950. Ora reunidos em torno de Cadernos de Meio-Dia e da Árvore, revistas surgidas naquela década, ora na revista Poesia 61, poetas como José Gomes Ferreira, Casais Monteiro, Saul Dias, Carlos de Oliveira, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, João José Cochofel, Raul de Carvalho, Egito Gonçalves, Ramos Rosa, José Terra, Alexandre ONeil, David Mourão Ferreira, Fernando Echeverria, Fernando Guimarães, Jorge de Amorim, Pedro Tamen, Herberto Hélder, Cristovam Pavia, João Rui de Souza, Maria Teresa Horta etc., a exemplo do que se deu com Salvado, tiveram as suas obras marcadas mais por um caráter de individualidade estilística e aproveitamento temático do que a opção por uma tendência uniformizadora. Cada um, a seu modo e dentro do seu tempo de amadurecimento, procurou ter voz e matiz próprios.

(…) Além de uma preponderância não exclusivista pelo tom lírico, há na poesia de António Salvado uma reiterada prática de composição que consiste em desmontar as palavras para que, a partir dos inesperados resultados, possa reconstruir um mundo imaginário, que poderíamos chamar de “o seu mundo ou universo poético”. E no logro desse traço de originalidade, cremos, reside a dificuldade a que se acham inexoravelmente tentados a superar todos os grandes poetas».

De facto, senhor diretor, este é um bom retrato do "poeta menor" feito por alguém que não pertence à sua "falange" e muito menos à sua família, mas que o conheceu e reconheceu no contexto do Prémio Fernando Chinaglia/Personalidade Cultural, que lhe foi atribuído pela União Brasileira de Escritores, coisa pouca, ou melhor, pequena, reconheço.

E podiam ter-se ficado por aí, contribuindo assim para o convencimento da sua menoridade poética tido pelo colunista que me motiva. Mas não. Então não é que infiltrados membros da sua "falange" conseguiram que a Universidade Pontifícia de Salamanca lhe atribuísse a Medalha de Mérito e o constituísse Membro da Cátedra de Poética "Fray Luís de León"; que o Ministério da Cultura de Portugal lhe outorgasse a Medalha de Mérito Cultural; que a Universidade de Salamanca lhe concedesse a Placa e o Diploma de Honra; que lhe fosse atribuída, como reconhecimento pela sua obra poética, a medalha Fray Luis de León de Poesia Ibero-americana; que a la Asociación Mujeres en Igualdad, com a colaboração da Sociedad de Estudios Literarios y Humanísticos de Salamanca o tenha convidado para presidir ao júri do reputado prémio ibero-americano Premio de Poesia Pilar Fernández Labrador; que o escolhessem para membro do júri do prémio de Poesia Rey David, onde pontificam, entre outros, os poetas António Colinas, Carlos Nejar, Sonia Luz Carrilho ou Hugo Mujica (tudo "poetas menores", como é óbvio), e que, (desfaçatez maior) o tenha incluído na sua obra de 2020 As Literaturas em Língua Portuguesa, o muito reputado académico José Carlos Seabra (outra personalidade menor) professor de literatura, Doutor pelas Universidades de Poitiers e de Coimbra, professor da Faculdade Letras de Coimbra e na Universidade Católica; professor convidado no Instituto Politécnico de Macau; Coordenador científico do Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos; diretor da revista Estudos (CADC); diretor do Secretariado Nacional para a Pastoral da Cultura (Portugal); membro do Conselho Executivo da Fundação Inês de Castro e do Conselho de Patronos da Fundação Arpad Szenes — Vieira da Silva; membro de júris dos principais prémios literários de Portugal e da CPLP, nomeadamente do Prémio Camões, do Grande Prémio Leya e dos Prémios da Associação Portuguesa de Escritores; figura de referência (por isso "menor", claro) nos Estudos sobre Camões, Decadentismo, Simbolismo, Neo Romantismo e Modernismo, autor de cerca de quinhentas conferências e palestras, de numerosos ensaios e estudos monográficos, de edições críticas das obras de Gomes Leal, Raul Brandão, Florbela Espanca, etc., e de centenas de artigos em revistas especializadas e de verbetes em enciclopédias, e ainda de uma "misérrima" vintena de livros sobre autores portugueses, o que, como se leu, são estudos sobre "autores menores" de um Professor também ele "menor" (presumo eu, no "muito bem fundamentado, e lido", convencimento do colunista).

Naturalmente, senhor diretor, todas as instituições e pessoas anteriormente referidas pertencem à "falange de seguidores" de António Salvado, ponto.

(Estás-te a rir, António? Olha que isto não é para graças, velho amigo! Tudo o que antes referi, é obra e sub-reptícia estratégia de "falangistas" teus que pertencem ao clube “malinha de mão do poder local", segundo o colunista, mas, que eu saiba, nunca usufruíram de nada dessa tal malinha.

Desculpa António, provoquei-te soluços.)

Desculpe, também senhor diretor, por este pequeno desvio.

Na verdade "o melhor prémio que qualquer poeta desejaria obter chama-se “leitor”, caso contrário não pensa como poeta", disse o colunista e eu concordo. Foi, é e será isso que sempre aconteceu com António Salvado, provavelmente um dos melhores leitores da (e na) Biblioteca Municipal de Castelo Branco à qual ofereceu o seu importantíssimo acervo de obras poéticas e de material documental prolífero e inestimável.

E ainda, pasme-se, para um "poeta menor", ele foi o ÚNICO poeta albicastrense que, em sessões de divulgação e numa sequência quase mensal, ofereceu à comunidade albicastrense a descoberta de grandes poetas esquecidos da literatura portuguesa e, finalmente, pasme-se!, teve o "desaforo" de doar à comunidade albicastrense, através da Câmara Municipal, a casa berço da sua primeira geografia poética, para a qual idealizou um futuro porto de abrigo para as poesias do mundo.

Senhor diretor, creio ter provado, nesta minha carta, que António Salvado, o "poeta menor" e "cidadão minúsculo" (irónicas palavras minhas que, presumo, o colunista que me motiva subscreverá) não merecia que o seu nome passasse a designar a nossa Biblioteca Municipal, no tal "acto sacana de rebaptizar a biblioteca" perpetrado pela Câmara Municipal.

Mas espere, senhor diretor, permita que lhe faça (nos faça) uma última pergunta, a si que é um sacerdote que todos estimamos (não diga que somos amigos há muito anos, porque se não entra também para falange e será recambiado para a malinha de mão), bem, aí vai a pergunta: prometer-se um batismo, determina considerar-se o batizado efetivado? Ou é preciso o acto e respetiva cerimónia religiosa?

Admiro muito Jaime Lopes Dias, grande investigador sem aspas, e, é verdade, foi-lhe prometido o que o colunista referiu, e se, na época referida, tivesse havido o tal "batizado", estaria muito bem atribuída a designação, mas só houve a promessa. Hoje os tempos têm (infelizmente para todos nós) António Salvado como um dos nossos maiores (sem aspas) que partiram e que é, muito justamente, merecedor, sem peias, da homenagem que, através da Câmara Municipal, a Assembleia Municipal decidiu prestar-lhe, proposta, veja bem, por nenhum dos membros da sua "falange de seguidores", eu incluído, que estão nesse órgão autárquico legitimados pela escolha dos albicastrenses.

Na verdade, a liberdade de opinião é doentia, quando a memória é, maldosamente, seletiva.

Saudações

 

COMENTÁRIOS

João Garrido
No ano passado
Do site oficial da Biblioteca:
"1984
DESIGNAÇÃO OFICIAL: BIBLIOTECA MUNICIPAL DE CASTELO BRANCO - DR. JAIME LOPES DIAS
A 23 de Abril de 1984, era inaugurada a sala "Dr. Jaime Lopes Dias" com o espólio oferecido à Biblioteca pela família deste ilustre etnógrafo beirão, e por vontade expressa do próprio (cerca de 2000 volumes e 3000 manuscritos e recortes), e, poucos dias mais tarde, a Biblioteca passaria a designar-se oficialmente Biblioteca Municipal de Castelo Branco – Dr. Jaime Lopes Dias.
2003
FUSÃO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE CASTELO BRANCO COM A BIBLIOTECA DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
No princípio do ano de 2003, foi levada a cabo a fusão da Biblioteca Municipal de Castelo Branco com a biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian, que funcionava no segundo piso do edifício, e deu-se início à informatização do seu fundo documental.
2007
PASSA A DESIGNAR-SE BIBLIOTECA MUNICIPAL DE CASTELO BRANCO
Tendo fechado as portas em Outubro de 2006 para a desinfestação do seu espólio, com vista à sua transferência para um novo edifício construído de raiz, no ex-Quartel da Devesa, a Biblioteca Municipal de Castelo Branco – Dr. Jaime Lopes Dias abriu as portas nas suas novas instalações no dia 28 de Junho de 2007, passando a designar-se simplesmente por Biblioteca Municipal de Castelo Branco."