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Leitores: «Como? Biblioteca municipal…?» Respondo: Biblioteca Municipal António Salvado – ponto final

Maria de Lurdes Gouveia Barata - 31/08/2023 - 17:51

A propósito do artigo com o título citado no início, publicado em 24 de Agosto de 2023, no Jornal Reconquista, cumpre uma obrigação de resposta, usufruindo do direito dessa resposta: apontar as falsidades que o integram, talvez a má fé duma antipatia amargosa relativamente ao poeta António Salvado.

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A propósito do artigo com o título citado no início, publicado em 24 de Agosto de 2023, no Jornal Reconquista, cumpre uma obrigação de resposta, usufruindo do direito dessa resposta: apontar as falsidades que o integram, talvez a má fé duma antipatia amargosa relativamente ao poeta António Salvado.

Pretendo uma desmistificação, denunciando racionalmente, as falsidades que apresenta, os erros que revela, decerto devidos a frivolidade, normalmente advinda da ignorância. E a ignorância é sempre atrevida.

Primeiramente, centro-me na figura do poeta António Salvado, que o articulista considera desmerecedor de dar nome à Biblioteca Municipal de Castelo Branco, porque, diz, a obra de António Salvado «por enquanto, não tem outro estatuto que não o de um poeta menor, regional em relação ao panorama da poesia portuguesa contemporânea». Espanta-se aqui um leitor conhecedor dessa obra, com base num suporte cultural e literário que domine. Porque o articulista não tem ideia do que distingue um poeta maior de um poeta menor. No primeiro torna-se valorativa a questão da expressão verbal, imbuída de literariedade, de pertinência imagística de marca pessoal, significativamente adequada, ao encontro da descoberta e da emoção de quem lê. Brevemente falei de aspectos formais, mas a densidade temática e conteudística manifesta a formação cultural e intelectual bem relevantes com o talento poético e a magistralidade poética que se revelam. Acresce a sua actividade poética contínua, erigindo uma extensa obra de mérito. Sim, pode-se dizer que quantidade nem sempre é qualidade, mas já sucintamente demonstrei a qualidade. O poeta menor, senhor articulista, é alguém que passa na efemeridade do seu próprio tempo, um versejador de fácil expressão, que deve mais ao mimetismo, numa circunstância de momento, que pode ser inspirador. Quando diz que «a obra só agora entrou na sua fase decisiva, separou-se do seu autor» (olhe que esta obra nunca vai separar-se do seu autor pelo nome António Salvado) e acrescenta que é o futuro «que decidirá se entra na história da literatura portuguesa ou se nem uma nota de rodapé dela lhe está destinada». Espantei-me de novo: António Salvado não necessita de que a sua obra seja apenas julgada no futuro, já está na história da literatura portuguesa no presente! Deduzo que nada sabe de António Salvado. Não lhe vou dar a larga bibliografia que sobre ele existe, mas pode obter algumas informações em Dicionários de Literatura e pode, pelo menos, informar-se de títulos importantes de livros que só se ocupam da sua obra (e já não falo de artigos e revistas). E acrescento: escritos por gente que sabe da ciência literária, especialistas em literatura, nomeadamente poesia, entre os quais há professores universitários catedráticos.

Vamos ainda ao que diz ser poeta regional. Sim, é orgulho dos albicastrenses. Mas esse regional da escrita do articulista tem o tom malévolo da limitação. António Salvado tem registos da sua região, que levou à arte poética, mas ultrapassa essa região. A sua poesia dimensiona-se na humanidade, problemas de identidade como ser humano, partilha com todos os homens e beleza de que todos os homens podem usufruir. Como diz Torga: «o universal é o local sem paredes». O «prémio com o seu nome», numa referência despicienda, mais uma vez aponta para total falta de se informar. É o Prémio Internacional de Poesia António Salvado – Cidade de Castelo Branco. E foi mais um contributo para internacionalizar o nome António Salvado e para estreitar cada vez mais as nossas relações com a Universidade de Salamanca.

Não tinha então o articulista suporte de saber adequado para tão superficialmente e erradamente falar da poesia de António Salvado. Aplica-se aquele douto provérbio: Não vá o sapateiro além da chinela. A origem deste provérbio está na história que Plínio contou a propósito do pintor Apeles. É de ler.

Não posso deixar de referir um outro aspecto do artigo citado, em que estou indirectamente referida. Fala da «falange de apoiantes (familiares e admiradores)» (2ª coluna) e que repugna «que se regozijem e assinalem a atribuição do seu nome como um prémio justo ou uma recompensa merecida» (atenção: prémio e recompensa não são a mesma coisa e recompensa, aqui, é palavra inadequada); na 3ª coluna: «E o facto de os fãs estarem preocupados unicamente com a satisfação dos aspectos exteriores à obra, isto é, o perdurar do nome a todo o custo, (…)»; na 4ª coluna: «Porque, parece-me claro, os admiradores (e a “malinha de mão” do poder local) aspiram substituir tudo pelo nome e, deste modo, ele deixa de ter qualquer referência à poesia e passa a ser uma marca registada». Já de imediato: António Salvado é nome associado a poeta, não são apenas os albicastrenses que sabem. Todavia, o que pretendo dizer é o seguinte: os admiradores e os fãs de António Salvado são leitores seus. Nesse grupo, a minha amizade e admiração por António Salvado começaram pela sua poesia. Aliás, como a maioria dos admiradores. A «falange» implica muitas pessoas – é bom! Seria estranho que os fãs apenas se preocupassem com o homem, figura física, que nem era dado a estar em grandes convívios, nem tinha nenhum cargo de poder que atraísse os interesseiros, o que faz cair esse aspecto frívolo exterior ao poeta que era. Depois, regozijarem-se por aspectos exteriores parecem ser retratados como um bando a caminho dum arraial, fúteis e inconscientes de quem realmente eram admiradores. Curioso: até me lembrou nesse retrato o hino da Mocidade Portuguesa do Estado Novo: «Lá vamos, cantando e rindo / Levados, levados sim». Não, «a falange de apoiantes» não é frívola, não é um grupo de bonifrates, apenas ligando aos aspectos exteriores mais artificiais, apoia sim o poeta António Salvado, para além de poder acrescentar a amizade ao professor António Salvado.

Algo que cai muito mal neste artigo a que repondo: é a constatação do achincalhamento do nome de António Salvado - «Mas podem até dar o seu nome à pastelaria onde ia lanchar, à padaria onde comprava o pão, ao talho onde comprava o bife ou ao guarda-chuva que o abrigava das intempéries, tudo isso é absolutamente regional, secundário, quanto ao aspecto fulcral que está em jogo: a sua poesia». A verdade é que também há aqueles, genericamente falando, que podiam ter o nome em latrinas públicas. A injustiça das asserções escarnecedoras lembra-me um registo de Miguel Torga no Diário XIV: «Não presta. Se prestasse, não se afligia tanto com o préstimo dos outros».

Do ataque ao poder autárquico (e muito haveria a dizer) retenho (porque implica os admiradores do poeta como co-autores) a acusação: houve a usurpação de um nome [Jaime Lopes Dias] e «o acto sacana de rebaptizar a biblioteca». Ora o articulista afirma, falsamente, que a biblioteca era a Biblioteca Jaime Lopes Dias: afirma, por sinédoque (toma a parte pelo todo) – há a Sala Jaime Lopes Dias, mas não era, no seu todo, a Biblioteca Jaime Lopes Dias. Nunca foi. Se houve promessas no passado, não se cumpriram.

A ironia «(…) os deputados da assembleia municipal e o elenco camarário, quais assembleias do Olimpo na terra, sem pestanejar e todos à uma, atribuem um novo nome à Assembleia Municipal de Castelo Branco» - desfaz-se, pois o poder do executivo e dos deputados foi-lhes atribuído pelos munícipes para serem a sua voz; logo, são mesmo os deuses do Olimpo na autarquia de Castelo Branco. Coisas da democracia.

 

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